22 de fev. de 2011

O Sítio da Graça


Partículas de pigmentos esverdeados configuram-se em pétalas florais. A luz mais forte do terreno apresenta uma pequena gruta de pedra, um caule pintalgado de bichos e ramos verdinhos. A seguir, após minha noite de sono, amanhece a claridade matinal, defendendo que a vida humana é mais digna e literal sem vez dos livros.

Caminhando, sigo para conhecer o pomar, e logo adiante, a uns oitenta passos ou menos, a aparição de um modesto lago (ainda em obra), cercado de vegetação rala, que consegue preencher-lhe a margem com seguridade. No seu interior milhares de girinos misturam-se numa bagunça criativa.

Ao olhar para trás, detenho-me no par de balanços engenhosos, feitos de tábua serrada (foi-se o tempo em que eram construídos com velhos pneus, junto a uma grossa corrente pendendo do galho mais engrossado).

Acima, uma leva de pássaros ociosos percorrem algo que o coração decifra como conforto. Nenhuma sabedoria conseguiria explicar a ímpar sensação da minha fuga do perímetro urbano, por apenas uma noite. Daí a inutilidade so livros. Sem a quinquilharia à qual pertenço por inclinação, pude desfrutar de um necessário anelo com a zona rural, há tempos não captado pelo meu cérebro.

Qualidade e bom ar!Entre apupos amigáveis, conversa sobre os mais diversos assuntos, a limonada densa (os limões arrancados do pé, diretamente para a jarra branca), deixa claro que encontro-me em casa, ao que o coração agradece. Trata-se de um ambiente aproveitável até mesmo para os casais, no cimo da paixão, para curtirem o sabor de vivenciar um clima que a cidade não traz no seu bojo capitalista.Lugar onde a lei é o amor arquejando natureza, exalando orvalho e naturalidade, mostrando a nata da verdadeira sensaualidade da existência.

Nenhuma validade monetária, nada; o esforço máximo consiste em arrastar umas muambas sem peso significativo, jogar uma água nos canteiros, nada mais. O mais do tempo é torrado na ociosidade corporal – triunfo de todo e qualquer homem, sem mencionar baianos e itabiranos. Meses seguiram em debandada sem que eu pudesse desfrutar de umas horas tão agradáveis.

É questão de adaptação. Sem querer, tornei-me membro de uma situação, naufraguei no egoísmo cômico,e não pensei em regressar. Fora o que senti, justamente quando estava para regressar à cidade, ao calor perimétrico, ao serviço, ao ritmo dissoluto dos estudos, estando eu em terra alheia, porém amiga. No entanto cenas esparsas me povoarão a memória por longo tempo. O sol paralisado, um bolo de nuvens sapateando o tapete azulado das alturas, e pequeninos pontos aéreos cantando por entre os galhos da mangueira, bananeira, pitangueira (tive de experimentar uma pitanga, para não perder o hábito … pena é que estava azeda demais). No pé de romã, ladeado por um caverninha desabitada (dessas que abrigam santos de gesso ), uma fileira de folhas verdes envolvem um fruto, numa cena digna de filmagem e logo evoco minha bisavó centenária e incônscia a respeito da morte de papai ( vez que no quintal dela havia um suntuoso e alto pé de romã).

O clima gratuito, coisas e situações comentadas numa localidade, num ambiente e num tempo determinados. Quem pisa naquele solo desconhece limites, onde, inclusive, subir na árvore não é crime e balançar é voltar à infância, segundo dissera o proprietário do local, em filosofia caseira, sentados ele eu nos balanços (pedaços de tábuas anelados a uma corda de construção civil), quando aparece sua esposa, segurando uma câmera digital para nos fotografar. Segundo ela, é lei que cada visitante entre para o mural de fotos, num espelho grande que há na sala da casa. Algo que o tempo não apagará, mas que ficará fincado na paisagem e na densidade da manhã , raiando junto ao sol e à natureza, com seus belos e decentes burburinhos de perfeição humilde.

A natureza me dera conforto, e isso acolhi com extrema gratidão.