18 de mai. de 2011

Crueza e Identidade Alagoana


No ginásio, exatamente no segundo ano, tive a honra de provar a acidez de Graciliano Ramos e lucrei com isso. Realidade em demasia, crueza, quentura, algo depreciativo, contraparente ao palor suave das musas de Byron.

De repente, nasceu meu amor pelas narrativas de bom senso. É que, no geral, meu cotidiano exige que o texto de Graciliano Ramos dê um arremate realístico às coisas, aos fatos, às pessoas. Contudo, ao lê-lo, sinto uma forte aproximação com um lado subjetivo que há em mim: um autor prestes a explodir sem temperança, numa tempestade abusada , composta de gestos, sensações e ideais abafados.

Em Vidas Secas por exemplo, deparei-me com um ponto interessante: vendo a estrutura elementar de uma sociedade , a sua célula - a família, vagando por mandacarus, adejando seixos, na procura pelo conforto, e o mais doloroso: a imagem de Fabiano, tolhido pela má sorte de não possuir recursos , mostrando um termo : limitação acidental. Daí pude colher mais alguma coisa: a família não era tão decente assim, como me chegava às mãos nos livros coloridos...

Nada poético. Nota-se cada personagem habituado ao seu meio, ao seu habitat, numa interligação impressionante; cada qual aprova as áridas nuvens brancas, os azuis que endoidecem, as longas caminhadas feitas a pés enxutos, diferente da atuação supra divina, ocorrida com Moisés (ver êxodo bíblico – êxodo significando “saída, escape”), atravessando o Mar Vermelho, juntamente com vários hebreus amedrontados e descrentes. Os “personas” de Graciliano estão presos a terra.

Em Graciliano Ramos, declaro “divino” a rara pitada lírica apresentada em certos trechos, dispostos no conjunto de sua obra. Pena erudita, nota-se um homem conformado com a existência, embrutecido graças ao acidente de ter aprendido a ser brasileiro a duras penas, no viço do sufoco.

E com esse autor travei importante batalha artística. Versado no romantismo como sou, em voo aplainado entre os sonetos, exalando queixumes interpostos entre o senso e a razão do coração, custei a encontrar a valiosidade integral do texto de Graciliano Ramos. Dose letal de tédio conforme os Sertões ,de Euclides da Cunha, logicamente este em época e contexto histórico completamente diferentes, todavia ratifico o teor literário, fazendo uma comparação entre ambas as obras.

O condenado aos arroubos do comunismo, sendo encerrado em cadeia na década de 30, onde trava amizade com seres bárbaros, que lhe legariam , futuramente,o o firme seio de uma obra prima, chamada Memórias do Cárcere, inclusive em virtude da morte do autor, uma parte do volume II permanece inacabada.

No entanto, a marca deixada pelo belo alagoano é um presente a todo leitor. Durante o ensino médio, onde vivi , embora relutantemente, analisando o universo de forma desenxabida, vi que a importância e a qualidade desse autor me legariam bênçãos, dentre as quais cito, sem medo de errar, um estilo enaltecido pela erudição, com um jeito introspectivo, metido a Lispector. Jamais comporei algo como A Paixão Segundo G.H, o ápice da ucraniana, mas na antevisão da realidade plasmo algo equivalente.

E deixando Byron encimando sonhos e possibilidades, passeando por J.Montello, aprendi que todo bom poeta deve passear pelas áridas terras alagoadas, queixar-se com Fabiano, ter uma Cachorra Baleia, e chorar a morte dela junto aos meninos, curiosos..os “diabos com ideia”. Todo homem que presa sua predileção, seja o que for, precisa levar em consideração a seguinte assertiva : seguir em frente, conhecendo cada detalhe causador de apetite.

Dessa forma adquiri algum caminho literário,quem sabe, e parafraseando Jorge Amado : nascia-se um escritor.

Na graça de Graciliano, o veio artístico viera mais forte. E encosto seus livros na estante, nobremente satisfeito.

14 de mai. de 2011

Aula de Poética e Servilismo ao Amor


Amor com potência, amor que se define na máxima desta vida: passá-lo adiante. Relembro um amigo poeta, um pouco antes de seus esponsais, possivelmente uns três dias antecedentes à mesma. O deus de foto da paixão pareceu incendiar-lhe as órbitas toda vez que ele, Flávio, relacionava-se à sua amada, em voz útil e infantil, contendo queixumes, promessas pertinentes à graça de se querer viver satisfeito, em âmbito conjugal.
Posso chamá-lo ( e quero), de poeta Coutinho. Vezes tantas me dissera que sabe rascunhar com exímia rima uns poucos versos. Li uns, decerto. Senti uma repressão romântica num homem praticamente parnasiano, até no trato e na lida do dia a dia. Fino , polido, ama os mares, vez que neles aventuram-se seus olhos que fitam a amada distante, acenando-lhe vivamente, na promessa da farta e recíproca oferta corporal, coisa que, conforme sentimos, está presente nos amantes de verdade, cúmplices da arte de viver.
Flávio, um nome que deve fugir às tramitadas da gramática, passando a ser adjetivo, apresentando uma qualidade qualquer ,numa situação aparente. O amigo ressurge das mais escondidas dobras de treva do cotidiano, estende-me a felicidade de que o amor é presente e , assim, posso sorrir com enfática liberdade. É possível que, lidando com ele, aprendi que versos carecem de métrica e sonoridade, escapando um tanto das emoções, o que fere o coração de todo vate emotivo.
Entretanto, jamais encontrei, ainda em vida carnal, homem mais farto de seus suspiros convencidos. A toda hora faz surgir um caso novo ,um passeio dado no final de semana, com sua companheira. Algum detalhe precípuo da vaidade das mulheres, predileção por músicas curiosos, tudo que rodeia o universo feminino, mais acirrado que equações matemáticas, das impossíveis!
Flávio e suas recordações maravilhosas. A busca pelo esforço e pelo crescimento, a modéstia de haver feito um curso em computação, ajeitar o micro dos amigos, rir à farta do cotidiano alheio, havendo horas em que impõe suas ordens com severidade espontânea, porém tudo na máxima superficialidade amiga.
Talvez esse pota, marginal na arte urbana, almejando alguns contatos acadêmicos, publicar meia dúzia de versos em jornal local e sambar fora, seja um de espécie rara. Arrefecido pela maturidade adquirida ainda criança, não atina para o universo da paixão de carne e osso, não se oferece ao sentimento como se deveria, e há muitos motivos, talvez, por esse recusa desimportante: algum refreamento religioso, algum erro cometido, alguma venda posta em seus olhos abertos e constantes.
Todavia, o meu bom parnasiano não me causa dor de cabeça. Num dia nublado e inútil , após eu ter madrugado, indo em direção à plataforma de estágio técnico em cidade vizinha daqui e amassado muito barro avermelhado e cru, relembro meu companheiro de trabalho e poeta. Mês passado fui congratulado com a honra de acompanhar sua cerimônia de casamento e acompanhar o poeta na íntegra, sorridente, trajando um terno com gravatinha borboleta escura, um paleto alinhado no esmero do traje, e um sorriso que contaminou todos os que se mantiveram presentes até o final. Pensei comigo – Deus é mesmo grande - e principiei a recordação de nossas conversas, idos e vividos de muitas, mas intensas emoções ingênuas, onde o poeta , recatado, mas querendo explodir de amor, me confidenciava coisas e versos, e nós dois líamos, em apoio mútuo, nossas sugestões, na passividade emotiva de dois grandes confrades.
Na cerimônia aprendi uma coisa, ao recordar a primeira canção que batizei no início do meu namoro, Todo Azul do Mar (Flávio Venturini), na voz macia do mineiro, oriundo dos truques secretos do Clube da Esquina. Aprendi a seguinte lógica:
- Verdadeiramente, o amor é mesmo um bem azul....

3 de mai. de 2011



Em se tratando de amor, o homem não deve colocar freio nos próprios pés. Há a dúvida, o desencontro do peito com as coisas da atmosfera , enfim. Por segundos, larguei a feminilidade egocêntrica de Balzac, naufragada nos salões suntuosos da França, ou mesmo a dulcíssima Angélica (de Serge e Anne Golon), marcando ponto pelos corredores do Louvre Musée, atapetados, convidativos aos contempladores de toda obra bela... Entretanto, também não poderia eu supor que seria agraciado da forma que fui.

Prontamente recordei-me das antigas felicidades, as quais alcunho por ora, em total segurança, de antigas paixões, vez que química desenfreada não gera solidificação. Caminharam comigo, de diversas formas, todas singulares: a pequena explosão literária, num jornal local, arrancando dois prêmios em academias distintas, não diferentes no conteúdo . Meu encontro com a música de uma forma curiosa, crendo numa casualidade impossível aos viventes. E, finalmente, feito broto de arte, um reencontro com o amor. Dias seguidos passei calculando a dimensão da felicidade a sós, até dar-me com a face na parede dura, aprendendo que só se é feliz quem vive em conjunto , segundo reza os ditames da sociologia e do coração. Fora tiro e queda, abandonei as paredes e estou feliz, de fato.

Em se tratando de coragem, temos que ser indomáveis racionalmente; podemos optar por aquilo que causa em nós um anseio positivo. Nem sempre aprisionar-se é o caminho mais correto a seguir-se . Jamais! Numa dada época eu busquei criticar aquilo que eu supunha conhecer, e amiúde teci críticas severas e houve morte de poesia. Ressenti-me vendo que minhas sinceridades boiavam pelo ar, aspirando coisas não melódicas, mas espaçadas, desconexas, desencontradas da simplicidade da vida e do sentimento. De certa forma, a poesia que quase morreu não chegou a colocar as asinhas de fora, para gáudio meu.

Em se tratando de passado, apenas agradeço. Contive-me em curiosas épocas, todas singulares. O cavalo, ser que me ensinara muito, é um animal que coloco intencionalmente no rol dos “racionais”. Ele vela , está certo, coloca-se em frente a qualquer perigo. E é amoroso, sem querer em troca adornos e objetos galvanizados de vaidade. Olho os frutos dos dias idos e agradeço novamente . O encontro com a espinhosa poesia solitária de Bandeira, a maneira desleixada e pomposa dos cronistas cariocas, em especial Rubem Braga e Antônio Maria, este último naufragado boêmio, a poesia simples de Quintana, dependente de hotéis, redações, traduções e possibilidades futuras. Dias idos, coisas que me pagam a tarefa crua de escrever, em tempo demais maravilhoso na minha vida ( quem ama, de repente se esquece dos livros queridos).

Em se tratando de Sarah, não posso deixar de cultivar uma pequena rosa de gratidão por tudo que ela me tem direcionado, em atenção que tem poder cumulativo. Dobram-se os dias, se torna mais intenso. Seus olhos , sua busca interminável pelo que preciso. De repente, ao lado dela, não posso sequer ser o artista, ou um ser normal, que vagueia involuntariamente em meio às torturas do cotidiano, buscando por um futuro melhor. A minha ajudadora que , de certa forma contempla, a seu modo particular e maravilhoso, as minhas conquistas e os meus atravanques, o que faz parte .Em se tratando de felicidade, não posso terminar este relato sem dar o título merecido , que é o amor, e com ele a mulher a amada.

Em se tratando de felicidade, melhor ser é feliz.