No ginásio, exatamente no segundo ano, tive a honra de provar a acidez de Graciliano Ramos e lucrei com isso. Realidade em demasia, crueza, quentura, algo depreciativo, contraparente ao palor suave das musas de Byron.
De repente, nasceu meu amor pelas narrativas de bom senso. É que, no geral, meu cotidiano exige que o texto de Graciliano Ramos dê um arremate realístico às coisas, aos fatos, às pessoas. Contudo, ao lê-lo, sinto uma forte aproximação com um lado subjetivo que há em mim: um autor prestes a explodir sem temperança, numa tempestade abusada , composta de gestos, sensações e ideais abafados.
Em Vidas Secas por exemplo, deparei-me com um ponto interessante: vendo a estrutura elementar de uma sociedade , a sua célula - a família, vagando por mandacarus, adejando seixos, na procura pelo conforto, e o mais doloroso: a imagem de Fabiano, tolhido pela má sorte de não possuir recursos , mostrando um termo : limitação acidental. Daí pude colher mais alguma coisa: a família não era tão decente assim, como me chegava às mãos nos livros coloridos...
Nada poético. Nota-se cada personagem habituado ao seu meio, ao seu habitat, numa interligação impressionante; cada qual aprova as áridas nuvens brancas, os azuis que endoidecem, as longas caminhadas feitas a pés enxutos, diferente da atuação supra divina, ocorrida com Moisés (ver êxodo bíblico – êxodo significando “saída, escape”), atravessando o Mar Vermelho, juntamente com vários hebreus amedrontados e descrentes. Os “personas” de Graciliano estão presos a terra.
Em Graciliano Ramos, declaro “divino” a rara pitada lírica apresentada em certos trechos, dispostos no conjunto de sua obra. Pena erudita, nota-se um homem conformado com a existência, embrutecido graças ao acidente de ter aprendido a ser brasileiro a duras penas, no viço do sufoco.
E com esse autor travei importante batalha artística. Versado no romantismo como sou, em voo aplainado entre os sonetos, exalando queixumes interpostos entre o senso e a razão do coração, custei a encontrar a valiosidade integral do texto de Graciliano Ramos. Dose letal de tédio conforme os Sertões ,de Euclides da Cunha, logicamente este em época e contexto histórico completamente diferentes, todavia ratifico o teor literário, fazendo uma comparação entre ambas as obras.
O condenado aos arroubos do comunismo, sendo encerrado em cadeia na década de 30, onde trava amizade com seres bárbaros, que lhe legariam , futuramente,o o firme seio de uma obra prima, chamada Memórias do Cárcere, inclusive em virtude da morte do autor, uma parte do volume II permanece inacabada.
No entanto, a marca deixada pelo belo alagoano é um presente a todo leitor. Durante o ensino médio, onde vivi , embora relutantemente, analisando o universo de forma desenxabida, vi que a importância e a qualidade desse autor me legariam bênçãos, dentre as quais cito, sem medo de errar, um estilo enaltecido pela erudição, com um jeito introspectivo, metido a Lispector. Jamais comporei algo como A Paixão Segundo G.H, o ápice da ucraniana, mas na antevisão da realidade plasmo algo equivalente.
E deixando Byron encimando sonhos e possibilidades, passeando por J.Montello, aprendi que todo bom poeta deve passear pelas áridas terras alagoadas, queixar-se com Fabiano, ter uma Cachorra Baleia, e chorar a morte dela junto aos meninos, curiosos..os “diabos com ideia”. Todo homem que presa sua predileção, seja o que for, precisa levar em consideração a seguinte assertiva : seguir em frente, conhecendo cada detalhe causador de apetite.
Dessa forma adquiri algum caminho literário,quem sabe, e parafraseando Jorge Amado : nascia-se um escritor.
Na graça de Graciliano, o veio artístico viera mais forte. E encosto seus livros na estante, nobremente satisfeito.