Raramente alguém experimenta um dia dos namorados de forma diversificada, tumultuada, sábia e não errante, distanciado de bombons. Aflora-se uma bela manhã cinzenta e logo penso em presentes sólidos, mimos românticos, essas coisas , sem esquecer-me de que, por eu ter que trabalhar nessa data, é necessário investir em mais uma possibilidade de um futuro realizado – o que é severamente bom ( e que denominamos “sonho”).
Geralmente, numa manhã acinzentada nesta cidade, não se há por que memorizar cores, repensar idos passados, tentar se respirar, amiúde, a tocante fragrância das flores passadas. Flores com prazo de validade expirado. Trata-se agora de uma inteligência viril incolor, inodora e insípida – o que foge, abusadamente , do nosso conhecimento.
Algo a valer, nem que seja um pensamento; não uma conturbação de idéias, um teatro vago de suposições caóticas, versos rimando, uma contradição de corações ardentes reclamando mais proximidade..e de repente as flores cinzas...cinzas...
Felizmente, na noite anterior, chega-me a certeza de que uma bela surpresa depontará amiga, aninhar-se-á no meu peito, sentindo-se realizada. Esses afrouxos poéticos que nos embaralham nas curvas do coração amante. Como de praxe levantei-me, após haver ficado tangenciando o silêncio circundante no quarto vago ( apenas lotado de livros e mais umas coisas ), com o meu corpo estirado na cama, enrolado no cobertor adiposo, ansioso para mais uma investida cotidiana. No entanto investi, embora forçosamente, em levantar-me.
De repente um segredo nato – desses que os decentes de bem amoitam na nobreza do peito – na sombra necessária que cativa quaisquer espécies de curiosidade. Tão somente um segredo. Nada sério e nem me senti desencantado, aplaudindo erroneamente o desfecho da comédia, claudicando emoção desconexada da realidade ( pois até para aplaudirmos, precisamos manter nossos pés firmemente grudados no chão frio e cru).
Resta-me contrapor o ritmo amuado da canção na novela da esperança. Quem sabe ocorra-me uma coisa que há muito espero ( a possibilidade do meu corpo poder entranhar-se na vagueza do amor, conhecer profundamente o que verei como mistério futuro).Uma esperança nada sólida.
Entretanto eis a data. O tão procurado dia 12, enquanto as mães aninham seus filhotes, as metralhadoras exprimem a debilidade de um salário decente, fomes e mais fomes avassalam meus irmãos carnais recônditos, também, nalguma esperança. Dia 12, uma dúzia inteira de cartões cromados, roletas abarratodas de bolsas baratas, dessas de alcinha tacanha, madames com fones de ouvido de marca que desconheço por ora, em virtude de uma necessária abstinência aos preâmbulos da tecnologia numa manhã cinza, tal qual a de hoje.
Para mim, no entanto, o 12 é o triunfo pessoal de quem batalha pelo amor, sem pretender ou querer angariar nada dele, exceto a atenção da namorada. Sem desespero de telefones aloucados , brindando a sorte do encontro de duas vozes, ambas aveludadas e amantes – sem fel. Como é cinza em pleno dia 12, pode ser que haja amor na frieza dos muros do prédio aqui, na mudez cadenciada do interfone que , distantemente, corrige meus anseios quanto à distância que percorrerei até o futuro.
Por ser tudo cinza, a caracterização das faces amuadas dá-se pelo advento dos corações jovens, sem envolvimento algum com indecências doutrinárias, defesas pusilânimes, saúdes frágeis. Uma advenção de espírito para que todos os amantes comemorem, em modo completamente íntimo e particular, uma boa nova digna de contemplação sincera – tal que houvera comigo : o recebimento de um singelo recado pelo orkut, mencionando uma aprovação, uma conquista.
Depois que voltei do trabalho ( já compreendendo a importância do 12 e do “cinza”),sentei, vexado pela comida fumegante avassalando meu estômago; comecei a relembrar minha torcida e expectativa empregadas nuns dias anteriores e vi que valera a pena. Os dogmáticos, os melosos, até mesmo os bem dotados perdoem-me. Sem flores, bombons e intervenção comercial , curti um Dia dos Namorados curioso ao extremo: paralisado, ante a tela do microcomputador, e a seguinte mensagem: Amor, passei na UERJ!
E na mesma data houve um milagre: todo aquele cinza, por livre justiça, converteu-se num aberto e merecido painel solar._