13 de jun. de 2011

Dia dos Namorados

Raramente alguém experimenta um dia dos namorados de forma diversificada, tumultuada, sábia e não errante, distanciado de bombons. Aflora-se uma bela manhã cinzenta e logo penso em presentes sólidos, mimos românticos, essas coisas , sem esquecer-me de que, por eu ter que trabalhar nessa data, é necessário investir em mais uma possibilidade de um futuro realizado – o que é severamente bom ( e que denominamos “sonho”).


Geralmente, numa manhã acinzentada nesta cidade, não se há por que memorizar cores, repensar idos passados, tentar se respirar, amiúde, a tocante fragrância das flores passadas. Flores com prazo de validade expirado. Trata-se agora de uma inteligência viril incolor, inodora e insípida – o que foge, abusadamente , do nosso conhecimento.

Algo a valer, nem que seja um pensamento; não uma conturbação de idéias, um teatro vago de suposições caóticas, versos rimando, uma contradição de corações ardentes reclamando mais proximidade..e de repente as flores cinzas...cinzas...

Felizmente, na noite anterior, chega-me a certeza de que uma bela surpresa depontará amiga, aninhar-se-á no meu peito, sentindo-se realizada. Esses afrouxos poéticos que nos embaralham nas curvas do coração amante. Como de praxe levantei-me, após haver ficado tangenciando o silêncio circundante no quarto vago ( apenas lotado de livros e mais umas coisas ), com o meu corpo estirado na cama, enrolado no cobertor adiposo, ansioso para mais uma investida cotidiana. No entanto investi, embora forçosamente, em levantar-me.

De repente um segredo nato – desses que os decentes de bem amoitam na nobreza do peito – na sombra necessária que cativa quaisquer espécies de curiosidade. Tão somente um segredo. Nada sério e nem me senti desencantado, aplaudindo erroneamente o desfecho da comédia, claudicando emoção desconexada da realidade ( pois até para aplaudirmos, precisamos manter nossos pés firmemente grudados no chão frio e cru).

Resta-me contrapor o ritmo amuado da canção na novela da esperança. Quem sabe ocorra-me uma coisa que há muito espero ( a possibilidade do meu corpo poder entranhar-se na vagueza do amor, conhecer profundamente o que verei como mistério futuro).Uma esperança nada sólida.

Entretanto eis a data. O tão procurado dia 12, enquanto as mães aninham seus filhotes, as metralhadoras exprimem a debilidade de um salário decente, fomes e mais fomes avassalam meus irmãos carnais recônditos, também, nalguma esperança. Dia 12, uma dúzia inteira de cartões cromados, roletas abarratodas de bolsas baratas, dessas de alcinha tacanha, madames com fones de ouvido de marca que desconheço por ora, em virtude de uma necessária abstinência aos preâmbulos da tecnologia numa manhã cinza, tal qual a de hoje.

Para mim, no entanto, o 12 é o triunfo pessoal de quem batalha pelo amor, sem pretender ou querer angariar nada dele, exceto a atenção da namorada. Sem desespero de telefones aloucados , brindando a sorte do encontro de duas vozes, ambas aveludadas e amantes – sem fel. Como é cinza em pleno dia 12, pode ser que haja amor na frieza dos muros do prédio aqui, na mudez cadenciada do interfone que , distantemente, corrige meus anseios quanto à distância que percorrerei até o futuro.

Por ser tudo cinza, a caracterização das faces amuadas dá-se pelo advento dos corações jovens, sem envolvimento algum com indecências doutrinárias, defesas pusilânimes, saúdes frágeis. Uma advenção de espírito para que todos os amantes comemorem, em modo completamente íntimo e particular, uma boa nova digna de contemplação sincera – tal que houvera comigo : o recebimento de um singelo recado pelo orkut, mencionando uma aprovação, uma conquista.

Depois que voltei do trabalho ( já compreendendo a importância do 12 e do “cinza”),sentei, vexado pela comida fumegante avassalando meu estômago; comecei a relembrar minha torcida e expectativa empregadas nuns dias anteriores e vi que valera a pena. Os dogmáticos, os melosos, até mesmo os bem dotados perdoem-me. Sem flores, bombons e intervenção comercial , curti um Dia dos Namorados curioso ao extremo: paralisado, ante a tela do microcomputador, e a seguinte mensagem: Amor, passei na UERJ!

E na mesma data houve um milagre: todo aquele cinza, por livre justiça, converteu-se num aberto e merecido painel solar._

2 de jun. de 2011

Um Amor Bege

Eu posso compor um conto além da pele, caso eu não mais corresponda afirmativamente aos mandos das células do meu tecido epitelial, todavia o coração precisa sentir. Sentir e amanhecer, eis a regra interminável do jogo de viver...Amanheci na penumbra da ausência das horas, defendendo a causa do conforto de uma folga qualquer, acordando depois do horário que fixei propositalmente para o meu progresso, mas isso faço normalmente, apenas nas folgas.

Daria um trecho a melosidade ociosa de um humor que se definha em região serrana – o que é mesmo lamentável. Tal é o meu humor. Procurar quem se ama, no vazio antagônico deste apartamento, naufraga qualquer coração em lamas bossais. Alguma canção, algum verso decorado para alimentar a saída ininterrupta de dados pelos neurônios..e não..não confundirei ciência com poesia, pelo menos agora.

Sobressaio de pensamentos descobertos pelas minhas mãos, e no flagra inesperado os dedos correm para escrever alguma carícia para alguém que encontra-se longe neste momento. Estranho ter que sobressair-me dessa forma. Sinto-me com pé na rotina literária ao tentar fazer tal ação, mas paro e contenho-me: careço fazer, verdadeiramente, algo diferente, já que pelo menos umas vezes as palavras não bastam.....

Quis a solidez de um ato, um ato sólido, na acepção máxima do termo. Não aglutinar-me ao passado, reencontrar a envelhecida casa grande, os equinos, a fumaça da inesquecível infância vazando à atmosfera, entre moléculas de monóxido de carbono. O que fazer?Ativar o telefone, cortar o fio das ondas com minha rouca voz de sonolência?Ah, se não fosse tão desprezível esse inverno com falsa ornamentação primaveril, falsas flores geladas, as pessoas concorrendo pela mesma satisfação, um status quo, uma segurança intelectual e monetária, esquecendo que apenas de água, pão e amor é de que se vive o homem; pude, por alguns minutos, olhar com atenção o movimento pausado da avenida que toma conta da moldura da janela: uma árvore ociosa. E não mais posso olhar, também, aquilo que de repente pude - uns transeuntes, umas moças papeando um ponto qualquer, senhores comportados rumo ao trabalho, bebês na abstinência do pecado, alcoólatras disfarçados, vestidos de cidadãos de bem...

Por um momento desejarei um sonho: sonhar com quem ama-me. Mesmo que as centenas de matas, espécies de vegetais, quilômetros infindáveis de asfalto negro e esburacado nos separem, sonhar ainda me é permitido. A ação do sonho é gratuita. Sem perguntas contrárias, sem indagações e na mesa alva do microcomputador, ladeando a estante, o livro marcado ainda pelo início – uma seleta rudimentar de contos de Carlos Drummond de Andrade – bom ao nosso ânimo mineiro ( antes dele prefiro Paulo Mendes Campos e o bom Rubem Braga, fornicadores da poesia noturna carioca...onde aprendi que uma crônica saborosa afasta-se da poética diária, com suave e eficaz beleza).

Por um momento desejarei uma escrita relevante, que não impressione eruditos, falsos parnasianos, modernistas alagados em queixumes didáticos, poetas que aprimoram-se erroneamente pelo efeito tétrico da rima, o que detesto em demasia. Preciso, por ora, do verso genuíno, aprendido, sobretudo, com os autos do amor. O amor não é posse nossa, existe para ensinar-nos, outrossim. Quem dirá algo contrário?Já que amanhecemos por amor à vida, já que tomamos banho (embora uns estejam associados ao “banho de gato”) por grato amor ao corpo, amamos nossas mulheres pelo amor de nós mesmos, acredite. Aquele que ama cuida de outrem e cuida de si, simultaneamente.

Nada de momentos, por aqui. Na esquina irrompe um casal matuto, desses bem simples. A mulher olhando a riqueza urbanística daqui do bairro, à proporção que o seu marido caminha um tanto mais à frente, para amainar os ânimos do molecote bege que espanta os passarinhos. Esse mesmo molecote corre dois metros a frente , esquece os passarinhos, apanha qualquer coisa no chão e plasma o que apanhou atentamente curioso, e em seguida olha-me. Respondo com um bom sorriso, também olhando o que ele pegara – uma pequena caixa de papelão , completamente desfigurada e pisoteada.

Ele esconde-a debaixo da blusa e vai-se embora, defendendo o que para ele, agora, se torna o ponto máximo da peça, valioso e de extrema positividade..E para mim o amor é isto: um molecote bege carregando uma caixa pisoteada, correndo pelo bairro afora._