13 de out. de 2011

Vendedores de Sonhos



Ontem fora feriado nacional, dia das Crianças, 12 de Outubro de 2011. É de praxe para mim ter que largar os adventos do sossego serrano aos finais de semana e feriados para viajar, coisa que faço satisfeito. Desci acompanhando ambulantes abarrotados de doces, bebidas de marcas várias, balões, guloseimas, tudo para adoçar a alma gentil dos pequenos. Entre eles seguia uma prole de menores também enfurnados na vendagem desumana, onde homens esgotados, de faces suadas, laboram alguma ideia pessoal acerca do amanhã. Homens que desejam sonhar, só que nem para tal ação encontram tempo vago.

Embarco na locomotiva um tanto maltratada em direção a Japeri. Os ambulantes adentram feito ventania brava, explodindo em cólera humilde, em suor, maltrapilhos, vociferando sabores, balas e chocolates amolecidos pelo calor infernal. O banco incomoda-me. Sigo analisando cada detalhe desses seres que merecem uma atenção, uma aclamação. Merecem, outrossim, que algum vivente dotado de compaixão (preferencialmente uns do que estão enfurnados em Brasília) preste adequada atenção na mazela que os tolda a existência – mazela denominada miséria. Miséria , a mãe das almas feridas, pés inchados, bocas amarguradas e sequeladas de tanto pronunciarem valores baixos de produtos pífios, muito aquém da sobrevivência e da dignidade humana, levando-se em máxima consideração a questão da represália de caráter governamental em cima desses ambulantes, resultando no impedimento do pão, da água e do sustento.

Vi pequeninos sôfregos em pleno feriado nacional, esbravejando doce, bala e coragem. Há em minha família um exemplo desse quilate: meu pai, que aos 15 anos de idade vendia balas no trem da Central, sendo portanto doloroso para mim notar que essa problemática estende-se por anos e anos mais. Desejo ver a caridade religiosa em cima desse problema. Quero ver a finalidade de tanta contribuição, de tanta obra de Deus, ao passo que nossas crianças perecem de sede, frio e fome. Muita discussão, muita invenção desastrosa e nada sendo feito. Muitos charlatães e uma infinidade de homens dignos sem teto. Eis o Brasil, eis o feriado que admirei, consternado, com meus olhos. No entanto, os pequenos mostravam um olhar sem feriado, perdidos no árido sol que os janelões danificados coavam numa desmesura de poesia urbana. E os pequenos gritam, mas não choram, vendendo seus sonhos e lucrando coragem e luta. Crianças que converteram-se em homens, sabendo Deus como.


3 de out. de 2011

Um brinde a todos os que bebem estrela, que derramam no espaço uma solução plausível para o infinito. Encontro-me na morte da noite, uma solução esplêndida feita em descanso aos que aninham-se na possibilidade de sossego e alma permanente.
Diante de mim a seriedade comovente de um livro fechado, contendo uma linda imagem de uma criança de olhar azulado e inocente. Quisera eu que tantos adultos , que também são fechados, mantivessem essa casta de olhar pela vida afora.
O amor mendiga saudade ante o mistério da cidade plena. Há tempos não mendigo nada, nenhuma palavra breve; tornara-me exaustivo acrescentar um ponto lógico num raciocínio banal que consome apenas uma linha nada extensa. O que posso definir como poesia na hora da paralisia da emoção urbana? Hora do aperto, hora dos retratos importantes – geralmente atrativos para os corações baldios, no queixume diário. Prato cheio para os olhos vagos, suntuosos, olhos que conservam a nobreza pueril de quem batalha pelo principado da tarde de domingo, estirada na sacada do apartamento, soba a égide da luz solar.
O que será ciência, o que será crença para um ser que deseja amar e amar? O que se perguntar àquele afoito garoto que abarca a avenida, de ponta a ponta, numa velocidade primaz , espontânea, diga dos corpos noviços. Almejo que esse mesmo garoto saiba um dia que um abraço não traz coisas, mas sim pessoas.
Decerto gesticulo algumas impossibilidades não muito graves, toldadas de uma certa banalidade que não causaria dó nem choque num inseto, senão em mim, criatura machucada pela curiosidade daqueles que ostentam negativamente uma falsa áurea de consideração a meu respeito ( graças a Deus são poucos). De fato, posso definir uma pergunta até o máximo grau de paciência. Do mesmo modo, posso destrinchar qualquer letra, tornando-a um enleio de cacos minúsculos do qual eu posso me alimentar amiúde, comendo a sabedoria, alcançando ,a grosso modo, aquilo que a filosofia define como virtude, encucando nas desinteressadas turmas do ensino público que a simples decoreba de princípios elementares que “regem a ética e a cidadania” abrem vasta brecha para que a bendita “virtude”seja alcançada. Tolice. Minha boca balbuciando uma sílaba doce consegue comover um ouvinte desavisado, só que eu não percebo. Não sou dado à falibilidade de ler o pensamento alheio, uma vez que o meu constitui um emaranhado de ideias particulares, que já retêm uma parcela considerável de importância que lhes é digna – sabendo Deus como.
Quero me permitir, resgatar do muro o que me fora tomado sem causa. Reaver o projeto da instauração de uma linguagem que fale de amor, nem que seja apego arredio à mesa, às cadeiras, ao concreto armado que conduz ao meio ambiente milhares de partículas sólidas não visíveis a olho nu. Quero que a praia baste, que os pássaros não consigam voar por simples complacência divina, mas por que necessitam fazê-lo. Quero e preciso buscar no beijo de minha doce alma o alimento traduzido baixinho, no remanso de uma noite de segunda que morre ao pé do livro, considerando como tolice plena o desabafo de um leitor vago que impressionara-se em demasia com o olhar azul de uma criança. Talvez a criança que, quem sabe, jamais lhe pertencera.
A criança que ele é nos beijos da amada que, sem jeito, pede mais um beijo e um abraço, tornando este desabafo uma coisa séria e bendita. _

13 de set. de 2011

TEMPOS MODERNOS


Ferozmente, o lobo devorador consome o tempo e a paciência daqueles que se atrevem a ficar horas e horas compartilhando sentenças tolas ao seu lado. Entretanto, sua fala é seguida de tom acentuado, sentenças viáveis àqueles que usam de malandragem para sobreviver, coisa que um reles marginal reconheceria à distância. Centenas de almas com psiquê amortalhado de dívidas altas depositam esperança no gazofilácio. Um feixe de luz corta as vidraças, dando brilho à condolência galvânica das joias modestas do “líder ministerial”.

O canto uníssono das beatas recheadas com refrigerante de uva . A castidade, o desterro material seriamente agregado às notas fiscais , sepultadas na gaveta , lugar agraciado por Deus. Parece , todavia, um manto de poder, um tapete estendido em pleno solo brasileiro, onde um homem comanda uma determinada quantidade de ouvidos curiosos, bocas curiosas e olhos manipulados. Apenas não manipularam-me a mente - eis o que importa . De repente vi uma cerca arrebentada, arrematei toda a distância possível num só pulo. Decorei as ladainhas, choraminguei as promessas individuais, nas quais apenas Deus me abençoaria, enquanto o meu próximo pedia pelas bênçãos inerentes ao seu contexto social. Ao pular a cerca, tudo isso ficara no esquecimento santo.


Elite cheirando a mofo em pleno século moderno. Moedas e mais moedas adentram no gazofilácio, ao passo que minha paciência esmorece. Certamente, é mais conveniente que o céu esteja no meio da rua, no sagrado prato de comida, no necessário suor diário do que aqui dentro. Tudo cheiro de mofo. Acompanho o líder entoando uma prédica em pó,e os seres automaticamente levantam-se para depositar no gazofilácio a esperança em forma de moeda.

Tudo sob o bafo musical das beatas recheadas de refrigerante de uva, procrastinadores de milagres, homens batidos e civis consciências violadas.

2 de set. de 2011

Um Sono


Espero que toda noite seja pouca, que teus braços de mulher sejam mais altos que as estrelas que ninguém relatou.

Preciso que meus versos cantem temas sinceros, de um modo submisso, feito um escravo decorrente do espaço onde há quadros, tintas e vexames. Preciso, agora mais do que antes, de um parágrafo inovado, tecido por mãos sinceras. Preciso doutorar a fase da justiça, tatuada no coração dos mais fracos. Cessei com a água das crenças, mergulhei num fundo pântano. De lá extraí vozes moles, seres afobados no costume, placas inacabadas e a fórmula da poesia não descoberta. Trouxe uma pá para compor um conto. Isto será um conto na minha eternidade. Acredito sinceramente que a psicologia não apoiará um reles homem que quer desenterrar alguém que durma no imutável escuro, detrás da cortina das horas. Para isso há uma pá.

Passa o dia. Chegou a vez dos cabelos, o corpo espera o toque das mãos conhecidas (geralmente são calorosas as mãos que conhecemos). De repente, um montante de vozes ripostam o absurdo pelo lado de fora do meu apartamento:

_ É o amor do caos no pé do ouvido.

Por um momento caio no sono. E ainda não durmo.

25 de ago. de 2011

ELEGIA PARA O AMOR E O REENCONTRO

Lá no anfiteatro das árvores tranquilas, pasmadas com o sol,
O doce fruto me esperava e eu corria, para teus braços, para os braços das lágrimas
Enquanto do meu cérebro irrompiam amargas lições do mundo antigo,
Dito mundo onde eu poetava, cantor do escuro?
O longo tapete dos olhos semiabertos e me acenava você , curiosa,
Detrás da sombra do edifício circundando o monte do meu ser,
O monte da terra, o monte das eras,
Como eram teus sonhos enormes exclamações sentenciais!
Entre os infernos, os choques, centauros,
Pingavam nódoas femininas em borracha, citosina, guanina,
Na borracha do céu - cônscias e sérias almas endividadas
Que impregnam de fome o sonho dos corpos infantis!
A grave poesia séria da bandeira desnuda, destarte alguma frase?
No profissionalismo dos corpos seguiremos avante
Arfantes, dois arados no sistema capitalista, arados exaustos,
Dos quais descansam os discos pratas no infinito céu dos burocratas pacificados !
Ah, mulher sem ser , mulher sem ter,
A mulher para mim, a mulher de mim...
Cuja finalidade corpórea serve para atingir vozes e surdinas,
Cujo caminho seu é ir-se de encontro ao além existente nos povoados
Do sexo entretido com o encontro das águas,
De repente aquela cobiça pura de olhar água morna e sair cantando,
E eu deitando contigo amada, na relva dos danos,
E nós dois, ambos capitalistas sem bandeiras , olhando uma viela de almas
E um caminho empoeirado com seu destino certo,
Que nos levará a nenhuma habitação, a nada.


E na bandeira do amor no caminho sentiremos , exaustos , a importância do céu!
O céu e o reencontro........

1 de ago. de 2011

( Depoimento ) Quando fatos rotineiros nos conduzem ao aprendizado inevitável..

Sabe, às vezes eu belisco meu coração, protelando ansiedade e sonhos, querendo buscar a compreender o que sinto por você e que, por ser de imensurável dimensão, coloca-se contraparente a qualquer definição.

Todo homem que algum dia queira formar uma família, encabeçar um lar, ser dependente do carinho da mulher que ama, deveria ler este pequeno relato breve. Trata-se de um manual elaborado por quem aprendera um pouco.

Vejo pelas ruas tantos homens brutos, de corpo malhado, valentões, que na verdade não sabem calcular a massa da miséria de amor que lhes contorna o coração , tornando-os densos, desumanos, despreocupados até mesmo com os beijos. Não estou deitando crítica voltada à personalidade, até porque muitos garantem o sustendo do lar andando maltrapilhos e brutos. Estou falando de carinho. Os beijos pesam, têm número atômico definido na periodicidade do afeto. Todo homem que se preza deveria, pelo menos uma única vez, fazer poesias. É verdade, vez que os papéis trazem um pulso de masculinidade até então desconhecida pelos homens. Reconheço que atualmente isso não é tido como verosimilhança emocional, já que as moedas importam sobremaneira, ficando as palavras por escanteio. Todavia é da palavra que nascem as moedas. Todo homem deve dar rosas às vezes, pegar na mão, apreciar o vazio de lua que se instaura pela madrugada e que se incha, transformando-se momentos depois numa manhã agradável de terça feira . Incrível, custei a crer que sou dependente das luas que se incham.

O homem deve respeitar as cartas antigas, não fazer por onde ressurgir destemperamento de humor de coisas envelhecidas, pois elas não falam nem temem, são abióticas. Há homens que fazem um verdadeiro espetáculo machista com velhas cartas de amor!E nem sabem que o fato de terem se casado, sido pais com a receptora das cartas, dar-lhes-á segurança plena até o fim da vida. O amor presente vale mais que um fato antigo dissolvido em papel. O homem deve exclamar de surpresa ao ser pai, ver detalhadamente aquela porçãozinha humana que advém do ventre de sua amada, que contém características suas e da mulher (um ser que levará adiante a prova material de que mais uma história de amor deu certo, vencendo o caos do mundo).Os filhos provam a cumplicidade dos pais, mesmo que exista ela durante o coito, onde gemidos funcionam como declarações carnais pulsantes e sinceras.

Ao homem deve importar o sexo como cumplicidade, não como uma amostra de potencialidade, contando quantas “consegue tirar”. É mais nobre que ele conte suas façanhas transando sozinho. Ao homem deve estar inerente a busca pelo corpo da mulher, não só nas horas de desejo ostensivo. Todo momento pode ser um desejo ostensivo, e nas horas de “desejos negativos” é para o corpo feminino que o homem correrá. Ao homem deveria importar menos a lata de doce, a roupa engomada, os céus modorrentos de março, e trocar tudo isso por um afinado violão. A música é a única matemática que nosso cérebro abarca voluntariamente. Deve o homem aprender piano, ser corajoso nas horas necessárias, zelosamente sentimental com a mulher que ama (geralmente confundem zelo com aprisionamento).

Deve ser ele livre para compor um conto, contar piadas sábias , reparar o crescimento de uma árvore – ser menos alcoólico – aprendendo que fermentação nata nasce de um beijo explosivo, que o amor é sentido em tempo presente e que não poderá ressurgir de repente, na maneira que melhor lhe apraz, detrás da estante, ou de uma velha caixinha de madeira desbotada. Ver que tais “cartinhas” funcionam análogas ao curso do rio perene, pois a cada ano que ele reparar no rio, verá que o efeito corrente da água independerá do intervalo de tempo que ele, homem curioso, estipular para reparar nesse fenômeno corriqueiro . De 30 em 30 anos o rio correrá sempre à mesma direção. Assim como é incompreensível se querer compreender as estrelas, garanto que ele estará carequinha quando aprender que as estrelas sempre brilharão, contraparentes à sua escolha.

O homem deve ser sereno, correr no sereno, manjar mais os fatos (às vezes incorporar-se nos fatos), ser mais cúmplice com a carne feminina, vendo abaixo da carne sensual a religião para a qual seu espírito retamente se inclinara; encontro homens que ao invés de se juntarem às mulheres, distanciam-se cada vez mais, confundindo minha modesta acepção mundana. O homem mais carente que pude conhece morrera aos trinta anos, abandonando casa e filhos, e essa sofreguidão vi dentro de seus olhos. O homem não ser preenchido nem vago. Tampouco um gentleman atrás dos talheres dourados, mas sim um verdadeiro homem atrás dos talheres de alumínio. Veja que a taça de cristal não vale mais que a taça de vidro - ambas têm a mesma função. E que, na hora em que ele, homem curioso, se detiver com sua imagem diante do espelho, faça por refletir mais um ponto, não laborando dogmas filosóficos, sentenças matemáticas sem fundamento, mas usando a simplicidade que Deus lhe deu : que é melhor o amor, que origina sabedoria a ter que ser máquina de produção. Que o sexo não é produção carnal – sim uma forma de cumplicidade a dois que ele jamais compreenderá, e que isso será cobrado nas horas de íntima solidão. Que às vezes é necessário que o frio entre debaixo das cobertas na madrugada e que, quando isso ocorrer, ele abrace a mulher que está do teu lado e veja que valeu a pena correr pelo sereno, que seu filho nascera, que a cumplicidade carnal- amorosa é deveras importante. Antes dessa conclusão surgir, é mister que esteja relaxado, lendo um livro, pensando na amada. Sendo um bom homem, de coração musculoso. Esteja vestido a caráter.


E, dessa forma, ficará extático como estou e haverá um ponto a seu favor: quando tudo isso vier, ele realmente terá aprendido. Aprendido que o é necessário aprender.

27 de jul. de 2011


Abandonei a comodidade serrana durante toda a última terça feira, data em que aniversariei , desprovido de compromissos trabalhistas e estudantis. Almejei respirar novamente a fragrância dos eucaliptos da Serra de Paracambi, sentado na poltrona do ônibus, levando mentalmente um esboço do lado harmônico de uma canção polonesa em pensamento e pensando, sobretudo, no meu alvo, no motivo pelo qual eu desejei descer – e o fiz com coração entregue à liberdade. Descendo entre folhagens novas, desmerecendo o caos dos veículos adjacentes ao ônibus, dos quais pintavam caras embrulhadas, seres hediondos.

Todavia, ao chegar na casa da minha namorada, como de praxe, fui acometido de uma curiosa surpresa, a de passar um dia semanal num shopping center em Nova Iguaçu, entregue às carícias femininas, a um bom papo juvenil (em que acabei vendo a última aparição de Harry Potter nos cinemas, aquele bruxinho de óculos),compreendendo devagar todo esse aparato místico dos bruxos, os monstros incríveis, gigantes bocudos, lanças afiadíssimas, graça, cor, som além de efeitos sonoros e visuais (usando um óculos flexível – onde rememorei uma matéria lançada na Revista Veja, contando o surgimento do Cinema 3D). Entregue a todo esse quê dinâmico de cumplicidade com a liberdade, o dia correra.

O filme acabara na cena de um beijo meu, dado na penumbra das poltronas.

Um novo oxigênio, uma modalidade de pensamento em que as correntes responsabilidades diárias não conseguem pesar de nenhuma forma. Andando pelas lojas, vendo mimos, roupas, acessórios, senti-me um homem refugiado na paz das coisas simples, que só um refugiado de bem consegue sentir. Nutri esperança por entre os manequins, plasmei a visão de uma tarde morrendo, refletida nos pisos do hall de entrada, por onde sambavam pés e mais pés desorientados, de onde provinham vozes conturbadas, enquanto os braços de minha namorada cruzavam os meus numa anedota romântica digna de um poema.

Balé de luzes, no lume do delírio vi que todas as mesas sintetizavam um alvoroço urbano, ao passo que eu configurava um mundo pleno composto de beijos, palavras doces, toques suaves, tudo que proporciona a um espírito são a vontade de seguir adiante. E nas vitrinas, todavia, sambavam sombras de pessoas densas e vazias. Apalpo no bolso a chave do apartamento ladeada pelo celular. Tudo em paz. E nas vitrinas algo que um apostador desejaria segurar em mãos, apertando. Talvez seriam as sombras?Por um acaso eu olhei algum número premiado, esboçando vantagens na alma, antevendo praias lindas, depoimentos irrevogáveis de um homem vivendo na sombra? Algo que Anton Pavlovich Tchekhov explicaria com perfeita prosa materialista – coisa que o meu coração não consegue esboçar muito bem; mesmo que seus contos tenham cor amarelada, prefiro o Sol que também tem a cor do ouro. E esse Sol estava nos olhos de Sarah, inda mais reluzente, desejando-me: “Feliz aniversário, meu amor”._

25 de jul. de 2011

O Café de Surata (Bernardin de Saint-Pierre )

Trago esse conto à tona, sacudindo-lhe as poerias do ginásio. Um retrato digno feito das diversidades religiosas. Parafraseando Pierre: "..aquele, portanto, que desfruta da luz divina, espalhada por todo o universo, não despreze o supersticioso que da mesma só distingue um raiozinho em seu ídolo, nem mesmo o ateu que está inteiramente privado dela, de medo que em punição de seu orgulho não lhe aconteça como àquele filósofo que, querendo apossar-se da luz do céu, cegou e viu-se reduzido, para se orientar, a servir-se da candeia de um negro.”."



http://contosdocovil.wordpress.com/2008/06/03/o-cafe-de-surata/


Para onde irá essa canção cuja nota principal reveste o sole a lua, cuja luminosidade harmônica abandona os céus e cai nos meus braços esperançosos? Braços de lua que perguntam a respeito da eficácia presencial de um tempo que não mais há... De repente a colheita perfeita, a estatura da mulher benquista que me outorgará longos gestos noturnos entre seus lábios; seus braços e suas luas aparecem brilhando na janela do quarto infinito.. e dessa forma consigo, enfim, ser um mortal. E , quem sabe, não amanhecerei?

3 de jul. de 2011

A JANELA QUE ME CRIOU

Sem a amplidão e esquecimento ,a plenitude da calmaria urbana desenrola-se com pertinaz eficácia , clara, límpida , tal qual o imenso janelão da antiga casa- grande da fazenda onde criei-me , pelos lados de Tinguá, bairro resoluto em matéria de produção rural. Presumo que aqueles paredões pétreos e úmidos, sedimentados na permanência cronológica, ainda perpetuam os fragmentos que merecidamente são evocados pelo coração da lembrança. O que poderia ser sem amplidão, diante desse fato? A que meu coração deseja amarrar-se com gás sorrateiro, não antevendo a dolorosa solidão de todo apego ao pretérito ?

Porém, declaro que tentei perguntar todo esse quesito de pretérito patológico à cidade, anfitriã desses espaços , acerca do que eu poderia arrumar de pretexto , adiando todo e qualquer contato emotivo com esse paisagismo adormecido, por sempre atual e natural. Cada ser humano urbanizado deve refletir pautado em seus ideais, filosofias solidificadas, amores pungentes, coisas que os olhos anexam na surpresa dos reencontros noturnos, de modo que o coração possa aquilatar , com zelo e pronta atenção, a joia cintilante que nascerá dessa reflexão.

O nascimento de uma joia galvânica , sem tanto quilate, desprovida de enfeite - assim como a paisagem do pretérito se julga configurada no presente . Não atrevo-me a engenhar os vegetais, os humanos, nem metais nem veículos densos. Vejo, outrossim, a substância necessária à minha vitalidade cidadã , que encontra-se arraigada no solo, encimando as possibilidades de deserto e medo, detendo-me da caminhada por estradas turvas e escuras. O que gostar, o que posso fazer , o que contribuir para que os imensos paredões da Fazenda São Gonçalo da Serra retornem oriundos do genérico olimpo, trazidos pela falta flamejante do cheiro pesado de vegetação impregnada de orvalho – no cio material de um modesto latifúndio vassourense . Luzes, o que poderiam ser? Feixes solteiros, constituídos imaterialmente, estilhaçados no raciocínio vadio das cercas e , no entanto , meu testemunho de breve existência sai à caça de uma pretensão de memória. Encontro jacarandás, a trêmula mão de Ernani , estimado boiadeiro que tangia junto a mim uma determinada parcela de garrotes nelores, a qual não mais saberei especificar com exatidão. Não seriam só as viagens, pelo que viagens assim não traduzem um homem – Ernani eu traduzo pela força motriz do peito – era ele o elemento uno, precípuo, do esforço e da dedicação à terra , ao solo agrário, merecedor de um capítulo especial, no qual farei uma somatória de todo seu aparato humano não produtor. Trarei a perseverança de um povo modesto, liquefeito em dedicação, em préstimo, que são o prêmio exumado desta terra. Não possuem títulos, lotes arrendados, mas lidam como toda sorte de rudimentos agrários. São permanentes, inteligentes, conseguem tocar com uma sutileza nunca vista no ponto G do coração. É exatamente o que o lado urbano ainda não conhece – a poesia que brota do solo, irrompendo em versos por intermédio das mãos calejadas de Ernani, ou na sua fala extensa contanto causos impossíveis, manobras, viagens, terras e gentes que jamais vi.

Portanto, relembro algo para a fome dos meus olhos, razão para meu instinto , sonoridade boa para meus ouvidos jovens que tiveram de converter-se à crença urbana, matriz desta cidade. A persistência dos momentos, o azedo elementar com o odor da naftalina que defumava o pesado armário de madeira roxa do meu quarto. Os longos contatos com Monteiro Lobato, escritor paulista que me vinha às mãos através de uma coleção de obras suas, editadas na década de quarenta – nascendo também meu apego arredio à literatura.

A cidade crê, as paisagens creem e existem ainda mais acentuadamente, a ponto de notarmos e sentirmos, agindo concomitantemente cada cidadão perpétuo que sabe venerar com êxito o valor de uma terra histórica. A filosofia do tempo é perfeitamente idêntica à janela da fazenda onde criei-me e um dia a minha criança interiorizada entenderá bem o valor de uma ação : a de relembrar a janela que me criou._

13 de jun. de 2011

Dia dos Namorados

Raramente alguém experimenta um dia dos namorados de forma diversificada, tumultuada, sábia e não errante, distanciado de bombons. Aflora-se uma bela manhã cinzenta e logo penso em presentes sólidos, mimos românticos, essas coisas , sem esquecer-me de que, por eu ter que trabalhar nessa data, é necessário investir em mais uma possibilidade de um futuro realizado – o que é severamente bom ( e que denominamos “sonho”).


Geralmente, numa manhã acinzentada nesta cidade, não se há por que memorizar cores, repensar idos passados, tentar se respirar, amiúde, a tocante fragrância das flores passadas. Flores com prazo de validade expirado. Trata-se agora de uma inteligência viril incolor, inodora e insípida – o que foge, abusadamente , do nosso conhecimento.

Algo a valer, nem que seja um pensamento; não uma conturbação de idéias, um teatro vago de suposições caóticas, versos rimando, uma contradição de corações ardentes reclamando mais proximidade..e de repente as flores cinzas...cinzas...

Felizmente, na noite anterior, chega-me a certeza de que uma bela surpresa depontará amiga, aninhar-se-á no meu peito, sentindo-se realizada. Esses afrouxos poéticos que nos embaralham nas curvas do coração amante. Como de praxe levantei-me, após haver ficado tangenciando o silêncio circundante no quarto vago ( apenas lotado de livros e mais umas coisas ), com o meu corpo estirado na cama, enrolado no cobertor adiposo, ansioso para mais uma investida cotidiana. No entanto investi, embora forçosamente, em levantar-me.

De repente um segredo nato – desses que os decentes de bem amoitam na nobreza do peito – na sombra necessária que cativa quaisquer espécies de curiosidade. Tão somente um segredo. Nada sério e nem me senti desencantado, aplaudindo erroneamente o desfecho da comédia, claudicando emoção desconexada da realidade ( pois até para aplaudirmos, precisamos manter nossos pés firmemente grudados no chão frio e cru).

Resta-me contrapor o ritmo amuado da canção na novela da esperança. Quem sabe ocorra-me uma coisa que há muito espero ( a possibilidade do meu corpo poder entranhar-se na vagueza do amor, conhecer profundamente o que verei como mistério futuro).Uma esperança nada sólida.

Entretanto eis a data. O tão procurado dia 12, enquanto as mães aninham seus filhotes, as metralhadoras exprimem a debilidade de um salário decente, fomes e mais fomes avassalam meus irmãos carnais recônditos, também, nalguma esperança. Dia 12, uma dúzia inteira de cartões cromados, roletas abarratodas de bolsas baratas, dessas de alcinha tacanha, madames com fones de ouvido de marca que desconheço por ora, em virtude de uma necessária abstinência aos preâmbulos da tecnologia numa manhã cinza, tal qual a de hoje.

Para mim, no entanto, o 12 é o triunfo pessoal de quem batalha pelo amor, sem pretender ou querer angariar nada dele, exceto a atenção da namorada. Sem desespero de telefones aloucados , brindando a sorte do encontro de duas vozes, ambas aveludadas e amantes – sem fel. Como é cinza em pleno dia 12, pode ser que haja amor na frieza dos muros do prédio aqui, na mudez cadenciada do interfone que , distantemente, corrige meus anseios quanto à distância que percorrerei até o futuro.

Por ser tudo cinza, a caracterização das faces amuadas dá-se pelo advento dos corações jovens, sem envolvimento algum com indecências doutrinárias, defesas pusilânimes, saúdes frágeis. Uma advenção de espírito para que todos os amantes comemorem, em modo completamente íntimo e particular, uma boa nova digna de contemplação sincera – tal que houvera comigo : o recebimento de um singelo recado pelo orkut, mencionando uma aprovação, uma conquista.

Depois que voltei do trabalho ( já compreendendo a importância do 12 e do “cinza”),sentei, vexado pela comida fumegante avassalando meu estômago; comecei a relembrar minha torcida e expectativa empregadas nuns dias anteriores e vi que valera a pena. Os dogmáticos, os melosos, até mesmo os bem dotados perdoem-me. Sem flores, bombons e intervenção comercial , curti um Dia dos Namorados curioso ao extremo: paralisado, ante a tela do microcomputador, e a seguinte mensagem: Amor, passei na UERJ!

E na mesma data houve um milagre: todo aquele cinza, por livre justiça, converteu-se num aberto e merecido painel solar._

2 de jun. de 2011

Um Amor Bege

Eu posso compor um conto além da pele, caso eu não mais corresponda afirmativamente aos mandos das células do meu tecido epitelial, todavia o coração precisa sentir. Sentir e amanhecer, eis a regra interminável do jogo de viver...Amanheci na penumbra da ausência das horas, defendendo a causa do conforto de uma folga qualquer, acordando depois do horário que fixei propositalmente para o meu progresso, mas isso faço normalmente, apenas nas folgas.

Daria um trecho a melosidade ociosa de um humor que se definha em região serrana – o que é mesmo lamentável. Tal é o meu humor. Procurar quem se ama, no vazio antagônico deste apartamento, naufraga qualquer coração em lamas bossais. Alguma canção, algum verso decorado para alimentar a saída ininterrupta de dados pelos neurônios..e não..não confundirei ciência com poesia, pelo menos agora.

Sobressaio de pensamentos descobertos pelas minhas mãos, e no flagra inesperado os dedos correm para escrever alguma carícia para alguém que encontra-se longe neste momento. Estranho ter que sobressair-me dessa forma. Sinto-me com pé na rotina literária ao tentar fazer tal ação, mas paro e contenho-me: careço fazer, verdadeiramente, algo diferente, já que pelo menos umas vezes as palavras não bastam.....

Quis a solidez de um ato, um ato sólido, na acepção máxima do termo. Não aglutinar-me ao passado, reencontrar a envelhecida casa grande, os equinos, a fumaça da inesquecível infância vazando à atmosfera, entre moléculas de monóxido de carbono. O que fazer?Ativar o telefone, cortar o fio das ondas com minha rouca voz de sonolência?Ah, se não fosse tão desprezível esse inverno com falsa ornamentação primaveril, falsas flores geladas, as pessoas concorrendo pela mesma satisfação, um status quo, uma segurança intelectual e monetária, esquecendo que apenas de água, pão e amor é de que se vive o homem; pude, por alguns minutos, olhar com atenção o movimento pausado da avenida que toma conta da moldura da janela: uma árvore ociosa. E não mais posso olhar, também, aquilo que de repente pude - uns transeuntes, umas moças papeando um ponto qualquer, senhores comportados rumo ao trabalho, bebês na abstinência do pecado, alcoólatras disfarçados, vestidos de cidadãos de bem...

Por um momento desejarei um sonho: sonhar com quem ama-me. Mesmo que as centenas de matas, espécies de vegetais, quilômetros infindáveis de asfalto negro e esburacado nos separem, sonhar ainda me é permitido. A ação do sonho é gratuita. Sem perguntas contrárias, sem indagações e na mesa alva do microcomputador, ladeando a estante, o livro marcado ainda pelo início – uma seleta rudimentar de contos de Carlos Drummond de Andrade – bom ao nosso ânimo mineiro ( antes dele prefiro Paulo Mendes Campos e o bom Rubem Braga, fornicadores da poesia noturna carioca...onde aprendi que uma crônica saborosa afasta-se da poética diária, com suave e eficaz beleza).

Por um momento desejarei uma escrita relevante, que não impressione eruditos, falsos parnasianos, modernistas alagados em queixumes didáticos, poetas que aprimoram-se erroneamente pelo efeito tétrico da rima, o que detesto em demasia. Preciso, por ora, do verso genuíno, aprendido, sobretudo, com os autos do amor. O amor não é posse nossa, existe para ensinar-nos, outrossim. Quem dirá algo contrário?Já que amanhecemos por amor à vida, já que tomamos banho (embora uns estejam associados ao “banho de gato”) por grato amor ao corpo, amamos nossas mulheres pelo amor de nós mesmos, acredite. Aquele que ama cuida de outrem e cuida de si, simultaneamente.

Nada de momentos, por aqui. Na esquina irrompe um casal matuto, desses bem simples. A mulher olhando a riqueza urbanística daqui do bairro, à proporção que o seu marido caminha um tanto mais à frente, para amainar os ânimos do molecote bege que espanta os passarinhos. Esse mesmo molecote corre dois metros a frente , esquece os passarinhos, apanha qualquer coisa no chão e plasma o que apanhou atentamente curioso, e em seguida olha-me. Respondo com um bom sorriso, também olhando o que ele pegara – uma pequena caixa de papelão , completamente desfigurada e pisoteada.

Ele esconde-a debaixo da blusa e vai-se embora, defendendo o que para ele, agora, se torna o ponto máximo da peça, valioso e de extrema positividade..E para mim o amor é isto: um molecote bege carregando uma caixa pisoteada, correndo pelo bairro afora._

18 de mai. de 2011

Crueza e Identidade Alagoana


No ginásio, exatamente no segundo ano, tive a honra de provar a acidez de Graciliano Ramos e lucrei com isso. Realidade em demasia, crueza, quentura, algo depreciativo, contraparente ao palor suave das musas de Byron.

De repente, nasceu meu amor pelas narrativas de bom senso. É que, no geral, meu cotidiano exige que o texto de Graciliano Ramos dê um arremate realístico às coisas, aos fatos, às pessoas. Contudo, ao lê-lo, sinto uma forte aproximação com um lado subjetivo que há em mim: um autor prestes a explodir sem temperança, numa tempestade abusada , composta de gestos, sensações e ideais abafados.

Em Vidas Secas por exemplo, deparei-me com um ponto interessante: vendo a estrutura elementar de uma sociedade , a sua célula - a família, vagando por mandacarus, adejando seixos, na procura pelo conforto, e o mais doloroso: a imagem de Fabiano, tolhido pela má sorte de não possuir recursos , mostrando um termo : limitação acidental. Daí pude colher mais alguma coisa: a família não era tão decente assim, como me chegava às mãos nos livros coloridos...

Nada poético. Nota-se cada personagem habituado ao seu meio, ao seu habitat, numa interligação impressionante; cada qual aprova as áridas nuvens brancas, os azuis que endoidecem, as longas caminhadas feitas a pés enxutos, diferente da atuação supra divina, ocorrida com Moisés (ver êxodo bíblico – êxodo significando “saída, escape”), atravessando o Mar Vermelho, juntamente com vários hebreus amedrontados e descrentes. Os “personas” de Graciliano estão presos a terra.

Em Graciliano Ramos, declaro “divino” a rara pitada lírica apresentada em certos trechos, dispostos no conjunto de sua obra. Pena erudita, nota-se um homem conformado com a existência, embrutecido graças ao acidente de ter aprendido a ser brasileiro a duras penas, no viço do sufoco.

E com esse autor travei importante batalha artística. Versado no romantismo como sou, em voo aplainado entre os sonetos, exalando queixumes interpostos entre o senso e a razão do coração, custei a encontrar a valiosidade integral do texto de Graciliano Ramos. Dose letal de tédio conforme os Sertões ,de Euclides da Cunha, logicamente este em época e contexto histórico completamente diferentes, todavia ratifico o teor literário, fazendo uma comparação entre ambas as obras.

O condenado aos arroubos do comunismo, sendo encerrado em cadeia na década de 30, onde trava amizade com seres bárbaros, que lhe legariam , futuramente,o o firme seio de uma obra prima, chamada Memórias do Cárcere, inclusive em virtude da morte do autor, uma parte do volume II permanece inacabada.

No entanto, a marca deixada pelo belo alagoano é um presente a todo leitor. Durante o ensino médio, onde vivi , embora relutantemente, analisando o universo de forma desenxabida, vi que a importância e a qualidade desse autor me legariam bênçãos, dentre as quais cito, sem medo de errar, um estilo enaltecido pela erudição, com um jeito introspectivo, metido a Lispector. Jamais comporei algo como A Paixão Segundo G.H, o ápice da ucraniana, mas na antevisão da realidade plasmo algo equivalente.

E deixando Byron encimando sonhos e possibilidades, passeando por J.Montello, aprendi que todo bom poeta deve passear pelas áridas terras alagoadas, queixar-se com Fabiano, ter uma Cachorra Baleia, e chorar a morte dela junto aos meninos, curiosos..os “diabos com ideia”. Todo homem que presa sua predileção, seja o que for, precisa levar em consideração a seguinte assertiva : seguir em frente, conhecendo cada detalhe causador de apetite.

Dessa forma adquiri algum caminho literário,quem sabe, e parafraseando Jorge Amado : nascia-se um escritor.

Na graça de Graciliano, o veio artístico viera mais forte. E encosto seus livros na estante, nobremente satisfeito.

14 de mai. de 2011

Aula de Poética e Servilismo ao Amor


Amor com potência, amor que se define na máxima desta vida: passá-lo adiante. Relembro um amigo poeta, um pouco antes de seus esponsais, possivelmente uns três dias antecedentes à mesma. O deus de foto da paixão pareceu incendiar-lhe as órbitas toda vez que ele, Flávio, relacionava-se à sua amada, em voz útil e infantil, contendo queixumes, promessas pertinentes à graça de se querer viver satisfeito, em âmbito conjugal.
Posso chamá-lo ( e quero), de poeta Coutinho. Vezes tantas me dissera que sabe rascunhar com exímia rima uns poucos versos. Li uns, decerto. Senti uma repressão romântica num homem praticamente parnasiano, até no trato e na lida do dia a dia. Fino , polido, ama os mares, vez que neles aventuram-se seus olhos que fitam a amada distante, acenando-lhe vivamente, na promessa da farta e recíproca oferta corporal, coisa que, conforme sentimos, está presente nos amantes de verdade, cúmplices da arte de viver.
Flávio, um nome que deve fugir às tramitadas da gramática, passando a ser adjetivo, apresentando uma qualidade qualquer ,numa situação aparente. O amigo ressurge das mais escondidas dobras de treva do cotidiano, estende-me a felicidade de que o amor é presente e , assim, posso sorrir com enfática liberdade. É possível que, lidando com ele, aprendi que versos carecem de métrica e sonoridade, escapando um tanto das emoções, o que fere o coração de todo vate emotivo.
Entretanto, jamais encontrei, ainda em vida carnal, homem mais farto de seus suspiros convencidos. A toda hora faz surgir um caso novo ,um passeio dado no final de semana, com sua companheira. Algum detalhe precípuo da vaidade das mulheres, predileção por músicas curiosos, tudo que rodeia o universo feminino, mais acirrado que equações matemáticas, das impossíveis!
Flávio e suas recordações maravilhosas. A busca pelo esforço e pelo crescimento, a modéstia de haver feito um curso em computação, ajeitar o micro dos amigos, rir à farta do cotidiano alheio, havendo horas em que impõe suas ordens com severidade espontânea, porém tudo na máxima superficialidade amiga.
Talvez esse pota, marginal na arte urbana, almejando alguns contatos acadêmicos, publicar meia dúzia de versos em jornal local e sambar fora, seja um de espécie rara. Arrefecido pela maturidade adquirida ainda criança, não atina para o universo da paixão de carne e osso, não se oferece ao sentimento como se deveria, e há muitos motivos, talvez, por esse recusa desimportante: algum refreamento religioso, algum erro cometido, alguma venda posta em seus olhos abertos e constantes.
Todavia, o meu bom parnasiano não me causa dor de cabeça. Num dia nublado e inútil , após eu ter madrugado, indo em direção à plataforma de estágio técnico em cidade vizinha daqui e amassado muito barro avermelhado e cru, relembro meu companheiro de trabalho e poeta. Mês passado fui congratulado com a honra de acompanhar sua cerimônia de casamento e acompanhar o poeta na íntegra, sorridente, trajando um terno com gravatinha borboleta escura, um paleto alinhado no esmero do traje, e um sorriso que contaminou todos os que se mantiveram presentes até o final. Pensei comigo – Deus é mesmo grande - e principiei a recordação de nossas conversas, idos e vividos de muitas, mas intensas emoções ingênuas, onde o poeta , recatado, mas querendo explodir de amor, me confidenciava coisas e versos, e nós dois líamos, em apoio mútuo, nossas sugestões, na passividade emotiva de dois grandes confrades.
Na cerimônia aprendi uma coisa, ao recordar a primeira canção que batizei no início do meu namoro, Todo Azul do Mar (Flávio Venturini), na voz macia do mineiro, oriundo dos truques secretos do Clube da Esquina. Aprendi a seguinte lógica:
- Verdadeiramente, o amor é mesmo um bem azul....

3 de mai. de 2011



Em se tratando de amor, o homem não deve colocar freio nos próprios pés. Há a dúvida, o desencontro do peito com as coisas da atmosfera , enfim. Por segundos, larguei a feminilidade egocêntrica de Balzac, naufragada nos salões suntuosos da França, ou mesmo a dulcíssima Angélica (de Serge e Anne Golon), marcando ponto pelos corredores do Louvre Musée, atapetados, convidativos aos contempladores de toda obra bela... Entretanto, também não poderia eu supor que seria agraciado da forma que fui.

Prontamente recordei-me das antigas felicidades, as quais alcunho por ora, em total segurança, de antigas paixões, vez que química desenfreada não gera solidificação. Caminharam comigo, de diversas formas, todas singulares: a pequena explosão literária, num jornal local, arrancando dois prêmios em academias distintas, não diferentes no conteúdo . Meu encontro com a música de uma forma curiosa, crendo numa casualidade impossível aos viventes. E, finalmente, feito broto de arte, um reencontro com o amor. Dias seguidos passei calculando a dimensão da felicidade a sós, até dar-me com a face na parede dura, aprendendo que só se é feliz quem vive em conjunto , segundo reza os ditames da sociologia e do coração. Fora tiro e queda, abandonei as paredes e estou feliz, de fato.

Em se tratando de coragem, temos que ser indomáveis racionalmente; podemos optar por aquilo que causa em nós um anseio positivo. Nem sempre aprisionar-se é o caminho mais correto a seguir-se . Jamais! Numa dada época eu busquei criticar aquilo que eu supunha conhecer, e amiúde teci críticas severas e houve morte de poesia. Ressenti-me vendo que minhas sinceridades boiavam pelo ar, aspirando coisas não melódicas, mas espaçadas, desconexas, desencontradas da simplicidade da vida e do sentimento. De certa forma, a poesia que quase morreu não chegou a colocar as asinhas de fora, para gáudio meu.

Em se tratando de passado, apenas agradeço. Contive-me em curiosas épocas, todas singulares. O cavalo, ser que me ensinara muito, é um animal que coloco intencionalmente no rol dos “racionais”. Ele vela , está certo, coloca-se em frente a qualquer perigo. E é amoroso, sem querer em troca adornos e objetos galvanizados de vaidade. Olho os frutos dos dias idos e agradeço novamente . O encontro com a espinhosa poesia solitária de Bandeira, a maneira desleixada e pomposa dos cronistas cariocas, em especial Rubem Braga e Antônio Maria, este último naufragado boêmio, a poesia simples de Quintana, dependente de hotéis, redações, traduções e possibilidades futuras. Dias idos, coisas que me pagam a tarefa crua de escrever, em tempo demais maravilhoso na minha vida ( quem ama, de repente se esquece dos livros queridos).

Em se tratando de Sarah, não posso deixar de cultivar uma pequena rosa de gratidão por tudo que ela me tem direcionado, em atenção que tem poder cumulativo. Dobram-se os dias, se torna mais intenso. Seus olhos , sua busca interminável pelo que preciso. De repente, ao lado dela, não posso sequer ser o artista, ou um ser normal, que vagueia involuntariamente em meio às torturas do cotidiano, buscando por um futuro melhor. A minha ajudadora que , de certa forma contempla, a seu modo particular e maravilhoso, as minhas conquistas e os meus atravanques, o que faz parte .Em se tratando de felicidade, não posso terminar este relato sem dar o título merecido , que é o amor, e com ele a mulher a amada.

Em se tratando de felicidade, melhor ser é feliz.

14 de abr. de 2011

O Vestido

Daqui a algumas horas, algo me consumirá o peito e será bem vindo, porque o ato de consumir, em virtude da sinceridade, fará o bastante. Um consumo verde, espalhando pelo meu cérebro artigos ecológicos...O que será o “bastante”àquilo que consome? Me lanço ao transporte sem indagar, apenas queixando-me da oportunidade não tida antes. Timidez...no escuro da prepotência cardíaca somos super-heróis insuperáveis mas, ao vermos a primeira nesga de luz de sol, somos os mais baratos e fracos insetos, numa doce vivência de morcegos racionais.

Mais minutos passam, nem diria que são covardes por passarem tão depressa. Ela, ******, dissera-me que comprou um lindo vestido azul- verde (que melhor caracterizei de verde, propriamente dito)e mostrá-lo-á a mim. Olho pela janela da condução pública, meditando , desde já, na ostensividade e a prepotência desse verde, tão esperado feito um aniversário que entrará para o século, mais ilustre que a radioatividade feroz de *Chernobyl – mas nas usinas não há coisas verdes..

Seguindo trajeto, ******, liga-me, indagando a localidade pela qual vou passando.”desçando a serra, *****”. A tímida voz coloca-se a perguntar se estou bem, mas o faz numa suavidade, sem querer comprometendo o sigilo do dito vestido....a isso atento, envaidecido...'' ao chegar, me dê um toque” - pude, por fim, sentir o roçar do tecido na desejada pele curiosa..pele que envolve o vestido.

Algumas horas voaram verdes. Folhagens beiram à pista, semáforo verde indica liberalidade para os veículos ansiosos. Verde na tonalidade cintilante de uma piscina abandonada. Partículas de tintas esverdeadas numa modesta faixa decadente na esquina da serra, e meus olhos verdes direcionados ao retrovisor...profundos olhos indagando acerca da existência de uma cor deveras curiosa.

Após um reboliço de pessoas das mais variadas localidades e personalidades, minha seriedade filia-se ao coração. Deixo o instinto devorar a razão, numa fome de loba. Não serei criativo para tropeçar mais uns passos, e a questão é acomodar-se no arrocho do duro banco, curtindo viagem por um bairro simples , nas terras próximas de onde nasci. Onde há placas verdes...tantos açudes, uma flora encantadora de partes verdes...imagino cada grão enfiado num pequeno vestidinho verde, baloiçando à melhor brisa da quentura carioca da baixada..e no entanto chego ao local. Apressado , corro ao encontro daquilo que esperei durante horas intermináveis. Não sendo fácil encontrar, recorro ao celular para certificar-me das horas. Há alguns minutos antes, tolerei minha paciência. Agora, não há como tolerar a minha razão de ser. Estou disposto a encarar o esperado. Olho para os lados, vejo construções desencontradas, um deserto povoado de desejos e sonhos sepultados pelo ar, na catacumbas da arte. Sem crença, fé e desavença, embarco na esperança. De repente, uma sonido tímido corta os demais passantes, que fogem sabe Deus do que. Correm, mas para dar passagem ao mimoso vestidinho verde que aparece sorrindo. Para o escambau todas as dúvidas, suposições ,preconceitos, ideias pífias. A coisa é simples.

Olho para o vestidinho – o rumo do tão esperado instante. Há o enlace, o abraço demorado ( que abraço!) e necessário cruzar de nossos olhos. A dona do vestido olha-me, na dúvida da posse antevista pelo seu coração, que me aguardava na estação de trem. Detrás dos óculos escuros, me comovo. Abraçar o que se esperara, não tem preço. Eu, pelo que sei, para sempre verei que vestido verde tem poderes, e qual o doce sacrifício de descobrir, em meio à multidão, o verdadeiro segredo de um vestido que, de fato, não possui a cor azul. E qual a cor, realmente, de todas as importâncias sutis diárias, que o homem relaciona à liberdade, sem saber, entretanto, com que tonalidade exata encontrará a cor do amor nos olhos da namorada..._


*Acidente ocorrido em 1986, em Pripyat, Ucrânia, numa usina nuclear denominada Chernobyl.

6 de abr. de 2011

Rompimento ( razão versus menestrel alado)


Racionalidade é um bem precioso, quanto a isso não há dúvida. Essa assertiva mais se acentua em minha vida quando noto determinadas panacéias livres, que se alastram qual rastilho de pólvora. O que está havendo? De que modo podemos obter algum raciocínio em meio a apupos loucos, danças que mais parecem uma viva denúncia de nosso lado racional desgovernado?

A mídia moderna apresenta-se como um canal surpreendente, onde circula uma gama extraordinária de mercadorias, heresias, cada empresa vendendo o que lhe é pertencente. E amor, cadê a lógica do amor? . Fé não é empresa;e a patifaria, os “dançarinos do Senhor”aproveitam e pintam a canecada total. Aí, diante das câmeras , que os impedirá? Acho deprimente o luxo, a proeminência, a construção de tanta quinquilharia, ao passo que o amor a outrem é deixado de lado, no alto mar do esquecimento...

Ah, talvez haja-se uma premiação superior, para centenas de pessoas se ajustarem a essa prática deprimente de “crer”. Crer, nestes modernos tempos, tornara-se uma prática, uma ação angariadora.. Há quem cognomine de “obras de Deus” as ovelhas dançantes no palco do Senhor! Por conseguinte, a gente dançante vive a martirizar a crença alheia, priorizando mais a liberdade de outrem do que a “pequena liberdade” que os tangencia. Já escutei depoimentos de amigos meus ,na seguinte certeza: Puxa, fulano que é ******, não me dá uma atenção pois sou *****. É certo ? Foi instituído um novo “mandamento” e nada me foi dito?

Cabeças, corpos e membros num coquetel de ignorância, fantasiados, (na baixada fluminense, creio que sofram abeça coma a alta temperatura), bailam durante três horas para que a eterna salvação seja obtida. Oh glória, haja disposição.. Ora, se ocorre dessa forma, se a igreja primitiva, se o antigo e verdadeiro apostolado nos legasse tal paradigma, certamente poderíamos dançar o avivamento que tanto mostram os templos modernos! Me pego rindo ao tentar imaginar Paulo rebolando o esqueleto, e Pedro com um pandeirinho...Mas não é dessa forma. Partindo dessa premissa , grita-me o consciente, filho da razão: após isso tudo,o que virá? Há as danças frenéticas, a gritaria ensurdecedora, batuques,a histeria contrária à razão..mas e depois disso? Será que a premiação exorbitante, prometida pelos “engravatados de plantão”, pelos “clows sem Shakespeare”, virá mesmo? Particularmente, vejo isso como uma forma de manietar os ignorantes, diante de quem quiser ver e compreender. Sim, é fato. Ora, se milhares de bênçãos, tantas casas próprias, tantas cadernetas rechonchudas fossem entregues aos fiéis dizimistas no decorrer de um único culto, o que restaria para ser-lhes dado nas próximas apresentações? Aí, acredito que o vendaval de discórdia perderia sua graça! Não denomino culto uma apresentação à la Baú da Felicidade!

Ah, os lençóis ungidos, as flanelinhas com a seguinte inscrição : Dê 20 hoje e depois Deus lhe renderá o dobro! Maravilha, então Deus tornou-se uma imensa, uma gigantesca marionete recheada de dinheiro e que ao ser tocada pela mão do pobre – necessitado, faz descer uma torrente de “bênçãos celestiais” contadinhas, geralmente em cédulas de 50...

Divisões, pré – tribulacionistas versus pós – tribulacionistas. Neologismos apimentados querendo explicar o que já é óbvio e notório ante nossas faces. Acidentes de caráter, panelinhas. Quebra de virtude. Preconceito das formas mais variadas – atingindo o semelhante por aquilo que faz, não pelo o que é. Separação, pequenina dosagem de vida, de liberdade. A ferocidade do instinto fanático procurando almas para consumir, afastando o homem de Deus, direcionando-o forçosamente à vontade humana. Ou será que a Deus importará 10 % de nosso suor? Quem já parou para analisar, que se cada indivíduo desses que outorga dez por cento de seu salário a uma instituição religiosa (em se tratando de Brasil, não sendo muita coisa o salário mínimo), se juntasse a outro indivíduo que faz o mesmo, e juntos montassem uma pequena instituição de auxílio ao próximo?Que maravilha seria!A carta branca do amor povoando os corações, no mútuo auxílio ao próximo. E disso agrada-se Deus. Auxílio ao próximo é obra de Deus, sim.

Em nome de Jesus ofertam , em nome de Deus preconizam a dor, em nome de Alá bombas explodem, em nome de não sei mais o que perdemos o rumo da vida. Prendemo-nos às crenças, abitolamos nossas atitudes mais sensatas e permanecemos anexados à falta de razão. Desprezamos a ciência em detrimento de dezenas de suposições. Sequer conseguimos pensar com mansidão, usando a nossa própria cabeça, que é um instrumento maravilhoso!Em nome de muito, deixamos de viver plenamente. Vivi boa parte desse exagero e de repente enlouqueci às antigas amizades conservadas nesse ideal maluco. Só que escapei. Quem preza trouxa é lavadeira. Deus não é caderneta do banco Itaú, e tampouco Lhe interessa o que podemos dar ou fazer...se isso muito bem conseguirmos, o que é altamente impossível. Sendo minha existência única, tratarei de vivê-la racionalmente, sem arrepender-me de pequenas suposições. A Deus devo satisfação. Aprisionado, não poderei alçar voo com asas que Ele em deu.

Dentro de quatro paredes não consigo enxergar o céu azul. E a liberdade tem a cor dos meus olhos._

31 de mar. de 2011

Sarah, beijos e água de coco, na praça do desconhecido..

Beijos sob Água de Coco


Quando nos dispomos a mudar propositalmente o rumo do trem da vida, deparamo-nos com surpresas cativantes. O que me houve terá enredo de novela, para sempre, profetizado pelo coração. Uma anedota escrita com mansidão , comparando meu sofrimento com tudo que denominei sonho. Aliás, fora em forma de sonho que tudo isso se deu.

Graciosa história localizada na lógica de dois corações esperançosos. Desci a serra procurando um alento veraz no compêndio belo de fauna e flora, porém nesse vão apetite minha ânsia às surpresas crescia mais e mais. A evolução da ação ou do ato de correr pequenos quilômetros, para ser feliz de fato, as rodas do pesado veículo seguindo em direção a uma realidade , antes bem sonhada. Inútil esboçar isso em sorriso, quiçá em lágrimas. No conforto da habitual poltrona do veículo, meus olhos rudimentares atentavam para a esperança fora dele. Que será dela? Virá até mim mergulhada em inocência, trazendo-me a tragédia necessária e um sentimento regado a coco e harmonia...harmonia...um termo opcional que abocanha a paciência dos músicos. Opcional apenas aos músicos de veneta.

De repente , poderia tornar-se tudo saudade, solidificada nos parapeitos , no edifício, no asfalto..mas, vale seguir em frente, sem pretender antever o final. Eis que, estando frente à estrada, vi que o coração alucinava-se na canção do cansaço preferido – o que o corpo, quando ama, rejeita...não ousa cansar-se banalmente...isso é o funcionamento rotineiro da química.

No entanto, após ter desembarcado, o copro, a estância livre de integridade e inocência, irrompe, estampada nos fragmentos de sol, estendendo-me a sua face para o beijo matinal. Me perdoem os céticos, os modernistas sobretudo, mas um coração brasileiro tornas-se insuperável nos modos corriqueiros do cotidiano. Encontrar o amor, muito embora tendo-se que abocanhar febrilmente alguns imperceptíveis quilômetros, não faz de nenhum vivente um ser desmiolado e patético. Mais patético é aquele que não possui amor para buscar; E nada mais horrendo que não aventurar-se para sofrer positivamente (na positividade do amor). Sob a ótica inaugural de uma tarde incapaz de cessar a modelagem da natureza, sinto os lábios, banhados de água de coco, sedimentados no coração e na saudade antecipada pelo momento, e assim logo penso: - o nosso coração brasileiro precisa é de beijos saborosos – como água de coco. Violão e a namorada do lado, fechando o espetáculo da tarde escondida numa praça desconhecida...só monólogos de confidências, ademais uns gestos que, de tão sinceros, tornam-se eternos._

11 de mar. de 2011

A Crônica do Dia Seguinte



Nada a acrescentar para o dia que em breve virá. Tal qual uma massa ungida com fermento, noto os dias correndo, pouco a pouco, na monotonia que lhes é cabível. Tão tristes, tão notáveis. Fulguram como retratos dispostos na estante, aos quais evitamos dirigir nossos olhos, com receio de que a essência envelhecida que os circunda modifique-se, o que é estritamente impossível. Acrescento, então, o impossível..

Vejo se estou cercado. Estou. De repente abro as retinas, avisto um paraíso, um pasto bem verdejante, e não quero voltar ao cru cimento do perímetro urbano. Sou a partícula do vegetal, é mister ficar, oprimir-se, espremer-me juntamente com a naturalidade restante no mundo. Incrivelmente me houve a opção de escolher um mundo restante.

Vejo mais uma possibilidade, uma definição para os sentimentos mais argutos, escondidos no interior da cavidade esquerda do coração, imperceptível à minha própria curiosidade. Pelo menos agora omitirei curiosidade, sendo de repente o que sempre desejei ser, mas que desconheço, algo apenas sonhado, irrisório, abstrato. Talvez daí esteja irrompendo a arte da liberdade, arte de ser cativado pelo azulado céu que espera-me, convidando-me para um aprazível voo, um voo legal. Voo de juventude.

Diferenciar rejuvenescimento de “juventude”na medida da razão, sem ousar ultrajar com revólveres e facões ou usufruir dos livros caducados para conceituar uma coisa que anda à flor da pele, pelo menos na casa dos vinte anos.

Ouço apupos, vejo crianças enormes, abre-se ante a mim uma cidade compactada nos muros, incendiadas nos fogões, cravada no coração daqueles aos quais o tempo dera uma trégua, resolvendo passar, deixando-os na tolerância do “carpe diem”.Ah, na próxima vida virei tangido de glória irreverente ou serei diferente para afastar-me o sucesso, vez que é trágico cortar as esquinas a pé, deparar-me com seres hostis apontando-me o dedo, denunciando fracasso, como se a mim estivesse dirigida toda culpa causal. Lesado pelo amor em excesso, e a quem dá-lo? Planejar alguma distante viagem ao nada, saber direitinho aquilo que a humanidade busca de mais trágico após a morte, voltar ileso, contar que atrás da porta há um salão enorme onde existe uma sala banhada de sol matinal, umas mesinhas brancas e nelas sentaremos todos, para discutir o que nos houve, o que festejamos, o que deixamos de festejar, em virtude de tantos compromissos pessoais, tão adiáveis!

Não é odiar, desejar ser fragmento de naturalidade não é perfeitamente odiar o concreto, já que ele nasce, brota de nossos dedos ansiosos. A mesma coisa ocorre com quem retira pausadamente os trajos femininos, deixando à mostra o verdadeiro nascedouro dos homens inteligentes e fúteis. Apresentando, sob rápidas bátidas cardíacas, o corpo onde, diante do qual, não há empresário, sedutor, trabalhador, mercenário, malandro e “corretinho” que resista. Ante a nudez somos reais e corretos, somente uma indesejável casta de ignorantes e um montante de regras tolam condenam-na abertamente, fazendo com que a mesma torne-se precipício brutal às almas perdidas. Ledo engano, em memória de Adão devemos propiciar respeito à nudez inocente, já que não é por conta do corpo que a terra é condenada. Se nudez condenasse mesmo, o abismo andaria maquiado e vestido com primor, habitaria nossos lares, dar-nos-ia filhos, partilharia conosco nosso leito...

Ora, serei mais racional. Produzirei no fundo do poço e lhes contarei o que há por lá. Há os transeuntes que passam perto, adejam, nada mais, incapazes de mergulhar a fuça e cheirar o covil aberrador. Ninguém há que tenha mergulhado no final de uma coisa: de um amor,de uma atmosfera. Quando perde-se algo, vem a revolta, se houver morte há desespero, caso contrário a bonança aparece, após as lágrimas, conforme afirma o trecho de um salmo, cujo número não me lembro. Até na morte poderemos sorrir , se quisermos. Na racionalidade a morte espanta a crua fantasia e não há pintura nem violões. Há cimento, há cinza e , contudo, ficamos mais reais e verdadeiros. É a sabedoria pausada, meditada,e isso é ser livre. Não ser livre para fustigar o corpo e o espírito, mas sim provar e aproveitar com estultícia algo chamado - experiência. Não perder tempo entre quatro paredes, entre portas e janelas, ideando mundos e fundos ao passo que a humanidade torna-se vivaz, mantenedora do seu processo evolutivo; pisemos na praia, entremos na onda do mar aberto, Deus é por nós, e veremos no que dá. Dosagem é o princípio, racionalidade é a chave.

O tempo é a dura carne que não amoleceremos. O tempo resiste a carícias, nao sorri recebendo rosas no dia dos namorados. O homem que se tranca, perde o bonde, fica à deriva, e perde a chance de provar o mais doce dos prazeres: o prazer de viver.

E chega o tempo, solapa tudo. E aí não restará mais nada, a não ser a possibilidade daquilo que poderia ter sido e que não foi, e uma puta dor de corno_.

7 de mar. de 2011

O Sonho de Sarah (*)

Jamais eu poderia supor que um sonho redundasse em aprimoramento poético. Vezes tantas, ainda no estágio inicial da minha juventude, cri que sonhos eram avisos prévios de algo quer aconteceria muito brevemente, havendo uns outros sonhos que, logicamente, não passavam de intervenção fantasiosa do cérebro.

Diferentemente desse contexto, apareceu-me um sonho contado poeticamente. Um sonho com veleidades mórbidas. Tal qual uma canoa à deriva no nada, deparando-se com fortes torrentes de líquido azul e poderoso. Um sonho que, para quem tentar enfrentá-lo ,torna-se um imenso breu, cansando a vitalidade. Infelizmente um sonho nada bom.

Bem como José que, sob atenção divina, interpretara sonhos ao faraó, senti a mesma nostálgica impressão ao ler um pataco de versos que me aparecera na página de recados do Orkut, mas sem data marcada , nem aviso prévio, tal qual ocorre às surpresas verdadeiras. Fora eu presenteado e no entanto não poderei retribuir de mesmo modo à poetisa, pelo nobre presente. Não em sonho narrado poeticamente, pelo menos.

É algo que alcunhei de cântico. Parece mais uma canção trazida do berço do tempo, alguma magia que a poetisa vinculara à aflição do sonho. Um sonho curioso, onde a narrativa incorre dizendo que alguém não sabia escrever o nome da autora com a devida segurança e que também não é devidamente reconhecida pelo “destinatário”. Uma aflição que torna-se tocante graças, unicamente, à simplicidade autêntica dos versos.

Raras aparições merecem um comentário, sobretudo em se tratando de poemas simples e tocantes, outrossim elaborados com todo primor por pessoas, de igual modo, simples e tocantes. E, daqui do escritório, contemplei essa arte, ao som de foliões e batucadas, irrompendo da esquina.

E sob o som da folia do carnaval nasceu esta canção:


Sonho ruim

Você é apenas um sonho ruim
E quando eu acordar, vou gritar
Mas você não estará em mim

Os anos passam e você volta
Com outro corpo, outra voz
Mas a sua alma é a mesma
Os seus sentimentos e pensamentos são iguais

Eu nunca direi as três palavras
Nunca tenho a menor importância
Morrerei um dia e você não saberá
Porque já terá me esquecido.

E sempre me pergunta se eu esqueci meus amigos
Claro que não, eles pensam em mim
Você nunca pensa.

Você me esquece, escreve meu nome errado
Isso me dá muito ódio, você não sabe meu nome
Nem sabe que eu existo, prefere pensar nas coisas ruins
Você está preso ao seu passado, para não viver o presente.

Você não vai me vencer, terá que me matar
Você não é insubstituível
Você acha que eu não sei pensar ?

Você sempre se acha superior, me ofende

Acaba comigo, não me entende
Eu nunca sou boa o suficiente
É sempre assim
Os meus sonhos são muito ruins.


(*) Poema recebido por mim na pag. de recados do Orkut. Com paciência pude lê-lo, querendo não entrar no seu universo paralelo à aflição. O que mais me tocou não foi o conteúdo ou a disposição dos versos, mas a simplcidade autêntica e ,claro, a atenção da sua autora.



22 de fev. de 2011

O Sítio da Graça


Partículas de pigmentos esverdeados configuram-se em pétalas florais. A luz mais forte do terreno apresenta uma pequena gruta de pedra, um caule pintalgado de bichos e ramos verdinhos. A seguir, após minha noite de sono, amanhece a claridade matinal, defendendo que a vida humana é mais digna e literal sem vez dos livros.

Caminhando, sigo para conhecer o pomar, e logo adiante, a uns oitenta passos ou menos, a aparição de um modesto lago (ainda em obra), cercado de vegetação rala, que consegue preencher-lhe a margem com seguridade. No seu interior milhares de girinos misturam-se numa bagunça criativa.

Ao olhar para trás, detenho-me no par de balanços engenhosos, feitos de tábua serrada (foi-se o tempo em que eram construídos com velhos pneus, junto a uma grossa corrente pendendo do galho mais engrossado).

Acima, uma leva de pássaros ociosos percorrem algo que o coração decifra como conforto. Nenhuma sabedoria conseguiria explicar a ímpar sensação da minha fuga do perímetro urbano, por apenas uma noite. Daí a inutilidade so livros. Sem a quinquilharia à qual pertenço por inclinação, pude desfrutar de um necessário anelo com a zona rural, há tempos não captado pelo meu cérebro.

Qualidade e bom ar!Entre apupos amigáveis, conversa sobre os mais diversos assuntos, a limonada densa (os limões arrancados do pé, diretamente para a jarra branca), deixa claro que encontro-me em casa, ao que o coração agradece. Trata-se de um ambiente aproveitável até mesmo para os casais, no cimo da paixão, para curtirem o sabor de vivenciar um clima que a cidade não traz no seu bojo capitalista.Lugar onde a lei é o amor arquejando natureza, exalando orvalho e naturalidade, mostrando a nata da verdadeira sensaualidade da existência.

Nenhuma validade monetária, nada; o esforço máximo consiste em arrastar umas muambas sem peso significativo, jogar uma água nos canteiros, nada mais. O mais do tempo é torrado na ociosidade corporal – triunfo de todo e qualquer homem, sem mencionar baianos e itabiranos. Meses seguiram em debandada sem que eu pudesse desfrutar de umas horas tão agradáveis.

É questão de adaptação. Sem querer, tornei-me membro de uma situação, naufraguei no egoísmo cômico,e não pensei em regressar. Fora o que senti, justamente quando estava para regressar à cidade, ao calor perimétrico, ao serviço, ao ritmo dissoluto dos estudos, estando eu em terra alheia, porém amiga. No entanto cenas esparsas me povoarão a memória por longo tempo. O sol paralisado, um bolo de nuvens sapateando o tapete azulado das alturas, e pequeninos pontos aéreos cantando por entre os galhos da mangueira, bananeira, pitangueira (tive de experimentar uma pitanga, para não perder o hábito … pena é que estava azeda demais). No pé de romã, ladeado por um caverninha desabitada (dessas que abrigam santos de gesso ), uma fileira de folhas verdes envolvem um fruto, numa cena digna de filmagem e logo evoco minha bisavó centenária e incônscia a respeito da morte de papai ( vez que no quintal dela havia um suntuoso e alto pé de romã).

O clima gratuito, coisas e situações comentadas numa localidade, num ambiente e num tempo determinados. Quem pisa naquele solo desconhece limites, onde, inclusive, subir na árvore não é crime e balançar é voltar à infância, segundo dissera o proprietário do local, em filosofia caseira, sentados ele eu nos balanços (pedaços de tábuas anelados a uma corda de construção civil), quando aparece sua esposa, segurando uma câmera digital para nos fotografar. Segundo ela, é lei que cada visitante entre para o mural de fotos, num espelho grande que há na sala da casa. Algo que o tempo não apagará, mas que ficará fincado na paisagem e na densidade da manhã , raiando junto ao sol e à natureza, com seus belos e decentes burburinhos de perfeição humilde.

A natureza me dera conforto, e isso acolhi com extrema gratidão.