13 de out. de 2011

Vendedores de Sonhos



Ontem fora feriado nacional, dia das Crianças, 12 de Outubro de 2011. É de praxe para mim ter que largar os adventos do sossego serrano aos finais de semana e feriados para viajar, coisa que faço satisfeito. Desci acompanhando ambulantes abarrotados de doces, bebidas de marcas várias, balões, guloseimas, tudo para adoçar a alma gentil dos pequenos. Entre eles seguia uma prole de menores também enfurnados na vendagem desumana, onde homens esgotados, de faces suadas, laboram alguma ideia pessoal acerca do amanhã. Homens que desejam sonhar, só que nem para tal ação encontram tempo vago.

Embarco na locomotiva um tanto maltratada em direção a Japeri. Os ambulantes adentram feito ventania brava, explodindo em cólera humilde, em suor, maltrapilhos, vociferando sabores, balas e chocolates amolecidos pelo calor infernal. O banco incomoda-me. Sigo analisando cada detalhe desses seres que merecem uma atenção, uma aclamação. Merecem, outrossim, que algum vivente dotado de compaixão (preferencialmente uns do que estão enfurnados em Brasília) preste adequada atenção na mazela que os tolda a existência – mazela denominada miséria. Miséria , a mãe das almas feridas, pés inchados, bocas amarguradas e sequeladas de tanto pronunciarem valores baixos de produtos pífios, muito aquém da sobrevivência e da dignidade humana, levando-se em máxima consideração a questão da represália de caráter governamental em cima desses ambulantes, resultando no impedimento do pão, da água e do sustento.

Vi pequeninos sôfregos em pleno feriado nacional, esbravejando doce, bala e coragem. Há em minha família um exemplo desse quilate: meu pai, que aos 15 anos de idade vendia balas no trem da Central, sendo portanto doloroso para mim notar que essa problemática estende-se por anos e anos mais. Desejo ver a caridade religiosa em cima desse problema. Quero ver a finalidade de tanta contribuição, de tanta obra de Deus, ao passo que nossas crianças perecem de sede, frio e fome. Muita discussão, muita invenção desastrosa e nada sendo feito. Muitos charlatães e uma infinidade de homens dignos sem teto. Eis o Brasil, eis o feriado que admirei, consternado, com meus olhos. No entanto, os pequenos mostravam um olhar sem feriado, perdidos no árido sol que os janelões danificados coavam numa desmesura de poesia urbana. E os pequenos gritam, mas não choram, vendendo seus sonhos e lucrando coragem e luta. Crianças que converteram-se em homens, sabendo Deus como.


3 de out. de 2011

Um brinde a todos os que bebem estrela, que derramam no espaço uma solução plausível para o infinito. Encontro-me na morte da noite, uma solução esplêndida feita em descanso aos que aninham-se na possibilidade de sossego e alma permanente.
Diante de mim a seriedade comovente de um livro fechado, contendo uma linda imagem de uma criança de olhar azulado e inocente. Quisera eu que tantos adultos , que também são fechados, mantivessem essa casta de olhar pela vida afora.
O amor mendiga saudade ante o mistério da cidade plena. Há tempos não mendigo nada, nenhuma palavra breve; tornara-me exaustivo acrescentar um ponto lógico num raciocínio banal que consome apenas uma linha nada extensa. O que posso definir como poesia na hora da paralisia da emoção urbana? Hora do aperto, hora dos retratos importantes – geralmente atrativos para os corações baldios, no queixume diário. Prato cheio para os olhos vagos, suntuosos, olhos que conservam a nobreza pueril de quem batalha pelo principado da tarde de domingo, estirada na sacada do apartamento, soba a égide da luz solar.
O que será ciência, o que será crença para um ser que deseja amar e amar? O que se perguntar àquele afoito garoto que abarca a avenida, de ponta a ponta, numa velocidade primaz , espontânea, diga dos corpos noviços. Almejo que esse mesmo garoto saiba um dia que um abraço não traz coisas, mas sim pessoas.
Decerto gesticulo algumas impossibilidades não muito graves, toldadas de uma certa banalidade que não causaria dó nem choque num inseto, senão em mim, criatura machucada pela curiosidade daqueles que ostentam negativamente uma falsa áurea de consideração a meu respeito ( graças a Deus são poucos). De fato, posso definir uma pergunta até o máximo grau de paciência. Do mesmo modo, posso destrinchar qualquer letra, tornando-a um enleio de cacos minúsculos do qual eu posso me alimentar amiúde, comendo a sabedoria, alcançando ,a grosso modo, aquilo que a filosofia define como virtude, encucando nas desinteressadas turmas do ensino público que a simples decoreba de princípios elementares que “regem a ética e a cidadania” abrem vasta brecha para que a bendita “virtude”seja alcançada. Tolice. Minha boca balbuciando uma sílaba doce consegue comover um ouvinte desavisado, só que eu não percebo. Não sou dado à falibilidade de ler o pensamento alheio, uma vez que o meu constitui um emaranhado de ideias particulares, que já retêm uma parcela considerável de importância que lhes é digna – sabendo Deus como.
Quero me permitir, resgatar do muro o que me fora tomado sem causa. Reaver o projeto da instauração de uma linguagem que fale de amor, nem que seja apego arredio à mesa, às cadeiras, ao concreto armado que conduz ao meio ambiente milhares de partículas sólidas não visíveis a olho nu. Quero que a praia baste, que os pássaros não consigam voar por simples complacência divina, mas por que necessitam fazê-lo. Quero e preciso buscar no beijo de minha doce alma o alimento traduzido baixinho, no remanso de uma noite de segunda que morre ao pé do livro, considerando como tolice plena o desabafo de um leitor vago que impressionara-se em demasia com o olhar azul de uma criança. Talvez a criança que, quem sabe, jamais lhe pertencera.
A criança que ele é nos beijos da amada que, sem jeito, pede mais um beijo e um abraço, tornando este desabafo uma coisa séria e bendita. _