29 de fev. de 2012



Aqui nesta terra posso humildemente asseverar que cumpri meu papel de dono de um lugar conhecido, no qual plantei casos e descasos. Não me despeço na comicidade de um discurso de caráter sumamente público. Me despeço no exagero de ter que compreender que os novos horizontes se encaixam duramente, mas encaixam-se, na leveza dura de uma escrita renovada. Após incontáveis prós e contras , estou retornando paulatinamente à prosa, só que não me atrevo a me tornar um vate. Na miudeza da poesia há um leque de formalidades dos quais me descuidei e , logicamente, ele foi-se.

O que seria a poesia da mudança? O que mudar? Sinto um proibido calor ao pensar que percorrerei novos rumos numa terra inóspita. Confesso que ter que abandonar a praça das bandeiras imperiais dá-me asco, embrulha-me o estômago. Entretanto é coisa urgente esse abandono, caso contrário eu veria os mesmos pensamentos tornarem-se sólidos na pequenez formal de uma cidade do interior do RJ.

A mudança vem como um beijo natural, o qual me foi dado na respiração do vento. A porta abriu-se diante de mim, mas não fugirei a galope, feroz, feito um fugitivo omisso. Devo, outrossim, reforçar meus laços com o futuro, embora eu não o conheça, e sair calmamente.

Uma cidade, um aprendizado. Jamais eu supunha que largar o berço seria necessário. Ocorreu que a vida me pregou a peça que eu mais temia: a mudança. Umas vozes ressoam de longe, trazem-me à memória a perspicácia da zona rural onde fui criado. Trazem as mãos trêmulas do vaqueiro Ernani apertando a sela, suas mãos longas, pesadas, sua boca relatando alguns feitos prosaicos de sua juvenilidade que o tempo sepultou para sempre. A complacência das babás, o meu primeiro desabafo com um padre local, contando eu apenas 15 anos incompletos, e a penitência: 10 orações pela alma de um amigo. O tombo que levei no brejo, com o tordilho Curió , que meses depois fora sacrificado em virtude de uma fratura grave na quartela. A santa alma dos sapos, encorajados pela natureza . O horizonte azulado de um céu que nem meus filhos conhecerão. ..

Também não ouso deixar de lado as longas horas no Haras, encontrando pinhas quebradiças pela ampla pista de obstáculos. O tratador dos animais mostrando rudimentos de equitação básica, e eu podia ver de perto o seu pé torto embrulhar-se para dentro do estribo enferrujado. Alguma passagem pelo ribeirão localizado atrás da capineira densa, o largo trote pela tarde serrana.

Posso, por ora, entrar no velho quarto do Tinguá. Uma imensa cama torta, minha coleção de Monteiro Lobato enfileirada numa estante de caixote de tomate que eu mesmo engenhara, o cheiro adocicado das plantas dormitando na varanda. O timbre vocal do mais antigo negro , fixado na propriedade, injuriado, querendo que as rosas toquem o céu, encimando a casa grande. E milhares de fatos notórios que não menciono aqui por falta de tempo.

Uma cidade natal eu levo no bolso e na memória. Apenas cabe a Deus rascunhar meus meus pecados num livro à parte, esquecendo-o na estante. Se for possível , que deite-o fora, na árdua fornalha do esquecimento. A lembrança talvez seja comparada a uma fruta que comemos enquanto fresca, uma fruta efêmera. Uma fruta sem docilidade deixar-me-ia enervado, feroz, em silêncio, acovardado diante do que virá posteriormente. A minha cidade natal estou levando. Não é suntuosa, porém é bela. E cabe apenas num precioso canto do bolso: saudade.