27 de jul. de 2011


Abandonei a comodidade serrana durante toda a última terça feira, data em que aniversariei , desprovido de compromissos trabalhistas e estudantis. Almejei respirar novamente a fragrância dos eucaliptos da Serra de Paracambi, sentado na poltrona do ônibus, levando mentalmente um esboço do lado harmônico de uma canção polonesa em pensamento e pensando, sobretudo, no meu alvo, no motivo pelo qual eu desejei descer – e o fiz com coração entregue à liberdade. Descendo entre folhagens novas, desmerecendo o caos dos veículos adjacentes ao ônibus, dos quais pintavam caras embrulhadas, seres hediondos.

Todavia, ao chegar na casa da minha namorada, como de praxe, fui acometido de uma curiosa surpresa, a de passar um dia semanal num shopping center em Nova Iguaçu, entregue às carícias femininas, a um bom papo juvenil (em que acabei vendo a última aparição de Harry Potter nos cinemas, aquele bruxinho de óculos),compreendendo devagar todo esse aparato místico dos bruxos, os monstros incríveis, gigantes bocudos, lanças afiadíssimas, graça, cor, som além de efeitos sonoros e visuais (usando um óculos flexível – onde rememorei uma matéria lançada na Revista Veja, contando o surgimento do Cinema 3D). Entregue a todo esse quê dinâmico de cumplicidade com a liberdade, o dia correra.

O filme acabara na cena de um beijo meu, dado na penumbra das poltronas.

Um novo oxigênio, uma modalidade de pensamento em que as correntes responsabilidades diárias não conseguem pesar de nenhuma forma. Andando pelas lojas, vendo mimos, roupas, acessórios, senti-me um homem refugiado na paz das coisas simples, que só um refugiado de bem consegue sentir. Nutri esperança por entre os manequins, plasmei a visão de uma tarde morrendo, refletida nos pisos do hall de entrada, por onde sambavam pés e mais pés desorientados, de onde provinham vozes conturbadas, enquanto os braços de minha namorada cruzavam os meus numa anedota romântica digna de um poema.

Balé de luzes, no lume do delírio vi que todas as mesas sintetizavam um alvoroço urbano, ao passo que eu configurava um mundo pleno composto de beijos, palavras doces, toques suaves, tudo que proporciona a um espírito são a vontade de seguir adiante. E nas vitrinas, todavia, sambavam sombras de pessoas densas e vazias. Apalpo no bolso a chave do apartamento ladeada pelo celular. Tudo em paz. E nas vitrinas algo que um apostador desejaria segurar em mãos, apertando. Talvez seriam as sombras?Por um acaso eu olhei algum número premiado, esboçando vantagens na alma, antevendo praias lindas, depoimentos irrevogáveis de um homem vivendo na sombra? Algo que Anton Pavlovich Tchekhov explicaria com perfeita prosa materialista – coisa que o meu coração não consegue esboçar muito bem; mesmo que seus contos tenham cor amarelada, prefiro o Sol que também tem a cor do ouro. E esse Sol estava nos olhos de Sarah, inda mais reluzente, desejando-me: “Feliz aniversário, meu amor”._

25 de jul. de 2011

O Café de Surata (Bernardin de Saint-Pierre )

Trago esse conto à tona, sacudindo-lhe as poerias do ginásio. Um retrato digno feito das diversidades religiosas. Parafraseando Pierre: "..aquele, portanto, que desfruta da luz divina, espalhada por todo o universo, não despreze o supersticioso que da mesma só distingue um raiozinho em seu ídolo, nem mesmo o ateu que está inteiramente privado dela, de medo que em punição de seu orgulho não lhe aconteça como àquele filósofo que, querendo apossar-se da luz do céu, cegou e viu-se reduzido, para se orientar, a servir-se da candeia de um negro.”."



http://contosdocovil.wordpress.com/2008/06/03/o-cafe-de-surata/


Para onde irá essa canção cuja nota principal reveste o sole a lua, cuja luminosidade harmônica abandona os céus e cai nos meus braços esperançosos? Braços de lua que perguntam a respeito da eficácia presencial de um tempo que não mais há... De repente a colheita perfeita, a estatura da mulher benquista que me outorgará longos gestos noturnos entre seus lábios; seus braços e suas luas aparecem brilhando na janela do quarto infinito.. e dessa forma consigo, enfim, ser um mortal. E , quem sabe, não amanhecerei?

3 de jul. de 2011

A JANELA QUE ME CRIOU

Sem a amplidão e esquecimento ,a plenitude da calmaria urbana desenrola-se com pertinaz eficácia , clara, límpida , tal qual o imenso janelão da antiga casa- grande da fazenda onde criei-me , pelos lados de Tinguá, bairro resoluto em matéria de produção rural. Presumo que aqueles paredões pétreos e úmidos, sedimentados na permanência cronológica, ainda perpetuam os fragmentos que merecidamente são evocados pelo coração da lembrança. O que poderia ser sem amplidão, diante desse fato? A que meu coração deseja amarrar-se com gás sorrateiro, não antevendo a dolorosa solidão de todo apego ao pretérito ?

Porém, declaro que tentei perguntar todo esse quesito de pretérito patológico à cidade, anfitriã desses espaços , acerca do que eu poderia arrumar de pretexto , adiando todo e qualquer contato emotivo com esse paisagismo adormecido, por sempre atual e natural. Cada ser humano urbanizado deve refletir pautado em seus ideais, filosofias solidificadas, amores pungentes, coisas que os olhos anexam na surpresa dos reencontros noturnos, de modo que o coração possa aquilatar , com zelo e pronta atenção, a joia cintilante que nascerá dessa reflexão.

O nascimento de uma joia galvânica , sem tanto quilate, desprovida de enfeite - assim como a paisagem do pretérito se julga configurada no presente . Não atrevo-me a engenhar os vegetais, os humanos, nem metais nem veículos densos. Vejo, outrossim, a substância necessária à minha vitalidade cidadã , que encontra-se arraigada no solo, encimando as possibilidades de deserto e medo, detendo-me da caminhada por estradas turvas e escuras. O que gostar, o que posso fazer , o que contribuir para que os imensos paredões da Fazenda São Gonçalo da Serra retornem oriundos do genérico olimpo, trazidos pela falta flamejante do cheiro pesado de vegetação impregnada de orvalho – no cio material de um modesto latifúndio vassourense . Luzes, o que poderiam ser? Feixes solteiros, constituídos imaterialmente, estilhaçados no raciocínio vadio das cercas e , no entanto , meu testemunho de breve existência sai à caça de uma pretensão de memória. Encontro jacarandás, a trêmula mão de Ernani , estimado boiadeiro que tangia junto a mim uma determinada parcela de garrotes nelores, a qual não mais saberei especificar com exatidão. Não seriam só as viagens, pelo que viagens assim não traduzem um homem – Ernani eu traduzo pela força motriz do peito – era ele o elemento uno, precípuo, do esforço e da dedicação à terra , ao solo agrário, merecedor de um capítulo especial, no qual farei uma somatória de todo seu aparato humano não produtor. Trarei a perseverança de um povo modesto, liquefeito em dedicação, em préstimo, que são o prêmio exumado desta terra. Não possuem títulos, lotes arrendados, mas lidam como toda sorte de rudimentos agrários. São permanentes, inteligentes, conseguem tocar com uma sutileza nunca vista no ponto G do coração. É exatamente o que o lado urbano ainda não conhece – a poesia que brota do solo, irrompendo em versos por intermédio das mãos calejadas de Ernani, ou na sua fala extensa contanto causos impossíveis, manobras, viagens, terras e gentes que jamais vi.

Portanto, relembro algo para a fome dos meus olhos, razão para meu instinto , sonoridade boa para meus ouvidos jovens que tiveram de converter-se à crença urbana, matriz desta cidade. A persistência dos momentos, o azedo elementar com o odor da naftalina que defumava o pesado armário de madeira roxa do meu quarto. Os longos contatos com Monteiro Lobato, escritor paulista que me vinha às mãos através de uma coleção de obras suas, editadas na década de quarenta – nascendo também meu apego arredio à literatura.

A cidade crê, as paisagens creem e existem ainda mais acentuadamente, a ponto de notarmos e sentirmos, agindo concomitantemente cada cidadão perpétuo que sabe venerar com êxito o valor de uma terra histórica. A filosofia do tempo é perfeitamente idêntica à janela da fazenda onde criei-me e um dia a minha criança interiorizada entenderá bem o valor de uma ação : a de relembrar a janela que me criou._