Abandonei a comodidade serrana durante toda a última terça feira, data em que aniversariei , desprovido de compromissos trabalhistas e estudantis. Almejei respirar novamente a fragrância dos eucaliptos da Serra de Paracambi, sentado na poltrona do ônibus, levando mentalmente um esboço do lado harmônico de uma canção polonesa em pensamento e pensando, sobretudo, no meu alvo, no motivo pelo qual eu desejei descer – e o fiz com coração entregue à liberdade. Descendo entre folhagens novas, desmerecendo o caos dos veículos adjacentes ao ônibus, dos quais pintavam caras embrulhadas, seres hediondos.
Todavia, ao chegar na casa da minha namorada, como de praxe, fui acometido de uma curiosa surpresa, a de passar um dia semanal num shopping center em Nova Iguaçu, entregue às carícias femininas, a um bom papo juvenil (em que acabei vendo a última aparição de Harry Potter nos cinemas, aquele bruxinho de óculos),compreendendo devagar todo esse aparato místico dos bruxos, os monstros incríveis, gigantes bocudos, lanças afiadíssimas, graça, cor, som além de efeitos sonoros e visuais (usando um óculos flexível – onde rememorei uma matéria lançada na Revista Veja, contando o surgimento do Cinema 3D). Entregue a todo esse quê dinâmico de cumplicidade com a liberdade, o dia correra.
O filme acabara na cena de um beijo meu, dado na penumbra das poltronas.
Um novo oxigênio, uma modalidade de pensamento em que as correntes responsabilidades diárias não conseguem pesar de nenhuma forma. Andando pelas lojas, vendo mimos, roupas, acessórios, senti-me um homem refugiado na paz das coisas simples, que só um refugiado de bem consegue sentir. Nutri esperança por entre os manequins, plasmei a visão de uma tarde morrendo, refletida nos pisos do hall de entrada, por onde sambavam pés e mais pés desorientados, de onde provinham vozes conturbadas, enquanto os braços de minha namorada cruzavam os meus numa anedota romântica digna de um poema.
Balé de luzes, no lume do delírio vi que todas as mesas sintetizavam um alvoroço urbano, ao passo que eu configurava um mundo pleno composto de beijos, palavras doces, toques suaves, tudo que proporciona a um espírito são a vontade de seguir adiante. E nas vitrinas, todavia, sambavam sombras de pessoas densas e vazias. Apalpo no bolso a chave do apartamento ladeada pelo celular. Tudo em paz. E nas vitrinas algo que um apostador desejaria segurar em mãos, apertando. Talvez seriam as sombras?Por um acaso eu olhei algum número premiado, esboçando vantagens na alma, antevendo praias lindas, depoimentos irrevogáveis de um homem vivendo na sombra? Algo que Anton Pavlovich Tchekhov explicaria com perfeita prosa materialista – coisa que o meu coração não consegue esboçar muito bem; mesmo que seus contos tenham cor amarelada, prefiro o Sol que também tem a cor do ouro. E esse Sol estava nos olhos de Sarah, inda mais reluzente, desejando-me: “Feliz aniversário, meu amor”._