14 de abr. de 2011

O Vestido

Daqui a algumas horas, algo me consumirá o peito e será bem vindo, porque o ato de consumir, em virtude da sinceridade, fará o bastante. Um consumo verde, espalhando pelo meu cérebro artigos ecológicos...O que será o “bastante”àquilo que consome? Me lanço ao transporte sem indagar, apenas queixando-me da oportunidade não tida antes. Timidez...no escuro da prepotência cardíaca somos super-heróis insuperáveis mas, ao vermos a primeira nesga de luz de sol, somos os mais baratos e fracos insetos, numa doce vivência de morcegos racionais.

Mais minutos passam, nem diria que são covardes por passarem tão depressa. Ela, ******, dissera-me que comprou um lindo vestido azul- verde (que melhor caracterizei de verde, propriamente dito)e mostrá-lo-á a mim. Olho pela janela da condução pública, meditando , desde já, na ostensividade e a prepotência desse verde, tão esperado feito um aniversário que entrará para o século, mais ilustre que a radioatividade feroz de *Chernobyl – mas nas usinas não há coisas verdes..

Seguindo trajeto, ******, liga-me, indagando a localidade pela qual vou passando.”desçando a serra, *****”. A tímida voz coloca-se a perguntar se estou bem, mas o faz numa suavidade, sem querer comprometendo o sigilo do dito vestido....a isso atento, envaidecido...'' ao chegar, me dê um toque” - pude, por fim, sentir o roçar do tecido na desejada pele curiosa..pele que envolve o vestido.

Algumas horas voaram verdes. Folhagens beiram à pista, semáforo verde indica liberalidade para os veículos ansiosos. Verde na tonalidade cintilante de uma piscina abandonada. Partículas de tintas esverdeadas numa modesta faixa decadente na esquina da serra, e meus olhos verdes direcionados ao retrovisor...profundos olhos indagando acerca da existência de uma cor deveras curiosa.

Após um reboliço de pessoas das mais variadas localidades e personalidades, minha seriedade filia-se ao coração. Deixo o instinto devorar a razão, numa fome de loba. Não serei criativo para tropeçar mais uns passos, e a questão é acomodar-se no arrocho do duro banco, curtindo viagem por um bairro simples , nas terras próximas de onde nasci. Onde há placas verdes...tantos açudes, uma flora encantadora de partes verdes...imagino cada grão enfiado num pequeno vestidinho verde, baloiçando à melhor brisa da quentura carioca da baixada..e no entanto chego ao local. Apressado , corro ao encontro daquilo que esperei durante horas intermináveis. Não sendo fácil encontrar, recorro ao celular para certificar-me das horas. Há alguns minutos antes, tolerei minha paciência. Agora, não há como tolerar a minha razão de ser. Estou disposto a encarar o esperado. Olho para os lados, vejo construções desencontradas, um deserto povoado de desejos e sonhos sepultados pelo ar, na catacumbas da arte. Sem crença, fé e desavença, embarco na esperança. De repente, uma sonido tímido corta os demais passantes, que fogem sabe Deus do que. Correm, mas para dar passagem ao mimoso vestidinho verde que aparece sorrindo. Para o escambau todas as dúvidas, suposições ,preconceitos, ideias pífias. A coisa é simples.

Olho para o vestidinho – o rumo do tão esperado instante. Há o enlace, o abraço demorado ( que abraço!) e necessário cruzar de nossos olhos. A dona do vestido olha-me, na dúvida da posse antevista pelo seu coração, que me aguardava na estação de trem. Detrás dos óculos escuros, me comovo. Abraçar o que se esperara, não tem preço. Eu, pelo que sei, para sempre verei que vestido verde tem poderes, e qual o doce sacrifício de descobrir, em meio à multidão, o verdadeiro segredo de um vestido que, de fato, não possui a cor azul. E qual a cor, realmente, de todas as importâncias sutis diárias, que o homem relaciona à liberdade, sem saber, entretanto, com que tonalidade exata encontrará a cor do amor nos olhos da namorada..._


*Acidente ocorrido em 1986, em Pripyat, Ucrânia, numa usina nuclear denominada Chernobyl.

6 de abr. de 2011

Rompimento ( razão versus menestrel alado)


Racionalidade é um bem precioso, quanto a isso não há dúvida. Essa assertiva mais se acentua em minha vida quando noto determinadas panacéias livres, que se alastram qual rastilho de pólvora. O que está havendo? De que modo podemos obter algum raciocínio em meio a apupos loucos, danças que mais parecem uma viva denúncia de nosso lado racional desgovernado?

A mídia moderna apresenta-se como um canal surpreendente, onde circula uma gama extraordinária de mercadorias, heresias, cada empresa vendendo o que lhe é pertencente. E amor, cadê a lógica do amor? . Fé não é empresa;e a patifaria, os “dançarinos do Senhor”aproveitam e pintam a canecada total. Aí, diante das câmeras , que os impedirá? Acho deprimente o luxo, a proeminência, a construção de tanta quinquilharia, ao passo que o amor a outrem é deixado de lado, no alto mar do esquecimento...

Ah, talvez haja-se uma premiação superior, para centenas de pessoas se ajustarem a essa prática deprimente de “crer”. Crer, nestes modernos tempos, tornara-se uma prática, uma ação angariadora.. Há quem cognomine de “obras de Deus” as ovelhas dançantes no palco do Senhor! Por conseguinte, a gente dançante vive a martirizar a crença alheia, priorizando mais a liberdade de outrem do que a “pequena liberdade” que os tangencia. Já escutei depoimentos de amigos meus ,na seguinte certeza: Puxa, fulano que é ******, não me dá uma atenção pois sou *****. É certo ? Foi instituído um novo “mandamento” e nada me foi dito?

Cabeças, corpos e membros num coquetel de ignorância, fantasiados, (na baixada fluminense, creio que sofram abeça coma a alta temperatura), bailam durante três horas para que a eterna salvação seja obtida. Oh glória, haja disposição.. Ora, se ocorre dessa forma, se a igreja primitiva, se o antigo e verdadeiro apostolado nos legasse tal paradigma, certamente poderíamos dançar o avivamento que tanto mostram os templos modernos! Me pego rindo ao tentar imaginar Paulo rebolando o esqueleto, e Pedro com um pandeirinho...Mas não é dessa forma. Partindo dessa premissa , grita-me o consciente, filho da razão: após isso tudo,o que virá? Há as danças frenéticas, a gritaria ensurdecedora, batuques,a histeria contrária à razão..mas e depois disso? Será que a premiação exorbitante, prometida pelos “engravatados de plantão”, pelos “clows sem Shakespeare”, virá mesmo? Particularmente, vejo isso como uma forma de manietar os ignorantes, diante de quem quiser ver e compreender. Sim, é fato. Ora, se milhares de bênçãos, tantas casas próprias, tantas cadernetas rechonchudas fossem entregues aos fiéis dizimistas no decorrer de um único culto, o que restaria para ser-lhes dado nas próximas apresentações? Aí, acredito que o vendaval de discórdia perderia sua graça! Não denomino culto uma apresentação à la Baú da Felicidade!

Ah, os lençóis ungidos, as flanelinhas com a seguinte inscrição : Dê 20 hoje e depois Deus lhe renderá o dobro! Maravilha, então Deus tornou-se uma imensa, uma gigantesca marionete recheada de dinheiro e que ao ser tocada pela mão do pobre – necessitado, faz descer uma torrente de “bênçãos celestiais” contadinhas, geralmente em cédulas de 50...

Divisões, pré – tribulacionistas versus pós – tribulacionistas. Neologismos apimentados querendo explicar o que já é óbvio e notório ante nossas faces. Acidentes de caráter, panelinhas. Quebra de virtude. Preconceito das formas mais variadas – atingindo o semelhante por aquilo que faz, não pelo o que é. Separação, pequenina dosagem de vida, de liberdade. A ferocidade do instinto fanático procurando almas para consumir, afastando o homem de Deus, direcionando-o forçosamente à vontade humana. Ou será que a Deus importará 10 % de nosso suor? Quem já parou para analisar, que se cada indivíduo desses que outorga dez por cento de seu salário a uma instituição religiosa (em se tratando de Brasil, não sendo muita coisa o salário mínimo), se juntasse a outro indivíduo que faz o mesmo, e juntos montassem uma pequena instituição de auxílio ao próximo?Que maravilha seria!A carta branca do amor povoando os corações, no mútuo auxílio ao próximo. E disso agrada-se Deus. Auxílio ao próximo é obra de Deus, sim.

Em nome de Jesus ofertam , em nome de Deus preconizam a dor, em nome de Alá bombas explodem, em nome de não sei mais o que perdemos o rumo da vida. Prendemo-nos às crenças, abitolamos nossas atitudes mais sensatas e permanecemos anexados à falta de razão. Desprezamos a ciência em detrimento de dezenas de suposições. Sequer conseguimos pensar com mansidão, usando a nossa própria cabeça, que é um instrumento maravilhoso!Em nome de muito, deixamos de viver plenamente. Vivi boa parte desse exagero e de repente enlouqueci às antigas amizades conservadas nesse ideal maluco. Só que escapei. Quem preza trouxa é lavadeira. Deus não é caderneta do banco Itaú, e tampouco Lhe interessa o que podemos dar ou fazer...se isso muito bem conseguirmos, o que é altamente impossível. Sendo minha existência única, tratarei de vivê-la racionalmente, sem arrepender-me de pequenas suposições. A Deus devo satisfação. Aprisionado, não poderei alçar voo com asas que Ele em deu.

Dentro de quatro paredes não consigo enxergar o céu azul. E a liberdade tem a cor dos meus olhos._