Daqui a algumas horas, algo me consumirá o peito e será bem vindo, porque o ato de consumir, em virtude da sinceridade, fará o bastante. Um consumo verde, espalhando pelo meu cérebro artigos ecológicos...O que será o “bastante”àquilo que consome? Me lanço ao transporte sem indagar, apenas queixando-me da oportunidade não tida antes. Timidez...no escuro da prepotência cardíaca somos super-heróis insuperáveis mas, ao vermos a primeira nesga de luz de sol, somos os mais baratos e fracos insetos, numa doce vivência de morcegos racionais.
Mais minutos passam, nem diria que são covardes por passarem tão depressa. Ela, ******, dissera-me que comprou um lindo vestido azul- verde (que melhor caracterizei de verde, propriamente dito)e mostrá-lo-á a mim. Olho pela janela da condução pública, meditando , desde já, na ostensividade e a prepotência desse verde, tão esperado feito um aniversário que entrará para o século, mais ilustre que a radioatividade feroz de *Chernobyl – mas nas usinas não há coisas verdes..
Seguindo trajeto, ******, liga-me, indagando a localidade pela qual vou passando.”desçando a serra, *****”. A tímida voz coloca-se a perguntar se estou bem, mas o faz numa suavidade, sem querer comprometendo o sigilo do dito vestido....a isso atento, envaidecido...'' ao chegar, me dê um toque” - pude, por fim, sentir o roçar do tecido na desejada pele curiosa..pele que envolve o vestido.
Algumas horas voaram verdes. Folhagens beiram à pista, semáforo verde indica liberalidade para os veículos ansiosos. Verde na tonalidade cintilante de uma piscina abandonada. Partículas de tintas esverdeadas numa modesta faixa decadente na esquina da serra, e meus olhos verdes direcionados ao retrovisor...profundos olhos indagando acerca da existência de uma cor deveras curiosa.
Após um reboliço de pessoas das mais variadas localidades e personalidades, minha seriedade filia-se ao coração. Deixo o instinto devorar a razão, numa fome de loba. Não serei criativo para tropeçar mais uns passos, e a questão é acomodar-se no arrocho do duro banco, curtindo viagem por um bairro simples , nas terras próximas de onde nasci. Onde há placas verdes...tantos açudes, uma flora encantadora de partes verdes...imagino cada grão enfiado num pequeno vestidinho verde, baloiçando à melhor brisa da quentura carioca da baixada..e no entanto chego ao local. Apressado , corro ao encontro daquilo que esperei durante horas intermináveis. Não sendo fácil encontrar, recorro ao celular para certificar-me das horas. Há alguns minutos antes, tolerei minha paciência. Agora, não há como tolerar a minha razão de ser. Estou disposto a encarar o esperado. Olho para os lados, vejo construções desencontradas, um deserto povoado de desejos e sonhos sepultados pelo ar, na catacumbas da arte. Sem crença, fé e desavença, embarco na esperança. De repente, uma sonido tímido corta os demais passantes, que fogem sabe Deus do que. Correm, mas para dar passagem ao mimoso vestidinho verde que aparece sorrindo. Para o escambau todas as dúvidas, suposições ,preconceitos, ideias pífias. A coisa é simples.
Olho para o vestidinho – o rumo do tão esperado instante. Há o enlace, o abraço demorado ( que abraço!) e necessário cruzar de nossos olhos. A dona do vestido olha-me, na dúvida da posse antevista pelo seu coração, que me aguardava na estação de trem. Detrás dos óculos escuros, me comovo. Abraçar o que se esperara, não tem preço. Eu, pelo que sei, para sempre verei que vestido verde tem poderes, e qual o doce sacrifício de descobrir, em meio à multidão, o verdadeiro segredo de um vestido que, de fato, não possui a cor azul. E qual a cor, realmente, de todas as importâncias sutis diárias, que o homem relaciona à liberdade, sem saber, entretanto, com que tonalidade exata encontrará a cor do amor nos olhos da namorada..._
*Acidente ocorrido em 1986, em Pripyat, Ucrânia, numa usina nuclear denominada Chernobyl.